terça-feira, 30 de abril de 2013

38º Capitulo: "- Nós? Tipo...eu e tu?"

- Ana... - não era, de todo, a conversa que queria ter com uma criança de 3 anos que ainda agora conheci e que tem de lidar com a falta da mãe todos os dias - não sou eu que tenho de preparar o teu pai.
- Poque? Tu és nita e gostas de mim e gostas do papá. 
- Eu gosto de vocês, sim, mas é como se fossem da minha família, estrelinha.
- Tu até me chamas como a minha mamã - ela disse tudo tão espontaneamente que só teve tempo de colocar a mão em frente da boca. 
- Sabes...eu também falo com a minha mamã todos os dias. 
- Mas a tua mamã está em tua casa...
- Não. A minha mamã também está no céu.
- Como? Eu já vi a mamã do tio Enzo.
- As nossas mamãs são diferentes. Mas quando fores mais crescidas entendes. 
- E tu falas com ewa?
- Falo. Por isso podes falar à vontade comigo. 
- Mas tu não contas ao meu papá? - é óbvio que teria de contar alguma coisa ao Ezequiel. Ele esta a começar a ficar preocupado com a pequena.
- Não. Eu não conto nada ao teu pai - "menti". Poderei omitir alguma coisa do Ezequiel, mas também tinha de lhe contar muitas para o tranquilizar. 
Ela falou abertamente comigo, Falou do tipo de conversa que tinha com a mãe e do que gostava que o pai fizesse com ela. 
Estavamos perto da hora de almoço, por isso, deixei a Ana a brincar no quarto enquanto que eu fui preparar o almoço. Estava concentradíssima no que estava a fazer que nem dei conta da entrada do Ezequiel em casa: 
- Olá! - óbvio que me assustei - desculpa se te assustei - deve ter percebido. 
- Não tem mal... Olá. 
- Estás a fazer o almoço?
- Sim. Mais 20 minutos e está pronto. 
- Muito obrigado. 
- Do que?
- Tomas-te conta da Ana e ainda estás a fazer o almoço. 
- É o minimo que posso fazer pelo que estás a fazer por mim. 
- Não é nada de mais.
- É sim. Por isso, obrigada... - ficámos os dois a olhar um para o outro - estive a falar com a Ana. 
- Foi?
- Sim. Sobre as conversas que ela têm com a mãe e...sobre...nós. 
- Nós? Tipo...eu e tu?
- Sim...ela queria que eu te preparasse para teres uma namorada que poderia ser eu. 
- Ela tem andado com essa ideia ultimamente...desculpa. 
- Não tem mal...acho que ela já percebeu.
- E em relação à Ana?
- A mãe? Elas têm o mesmo nome?
- Sim. 
- Não tens de te preocupar. É natural da idade...passa com o tempo e mais tarde ou mais cedo ela deixa de ter essas conversa. É a mesma coisa que os amigos imaginários. 
- Obrigado Patrícia...a serio, muito obrigado. 
- Não me tens de agradecer nada...eu entendo-a.
- Onde é que ela está?
- Ficou no quarto a brincar.
- Vou lá ter com ela e trago-a para almoçar.
- Tá bom. 
Fiquei a terminar o almoço e quando estava mesmo quase acabado começo a ouvir as gargalhadas da Ana cada vez mais perto.
O Ezequiel entrou com ela na cozinha e vinha-lhe a fazer cócegas no colo. Ele deve ser o pai que todas as mulheres querem ter para os seus filhos. É super dedicado à Ana, faz tudo em casa e ainda tem uma carreira profissional de se lhe tirar o chapéu. Nem ao Enzo consigo atribuir estas qualidades todas. Ele tem a Rita, a actual mulher dele, para o ajudar e tinha a mãe do Santiago quando o menino nasceu, mas...o Ezequiel faz tudo sozinho, claro que deve ter ajuda da família dele e até de família da parte da Ana...mas mesmo assim, deve passar muito mais tempo com ela sozinha do que com alguém a seu lado para cuidar dela. 
- Dexei a tua neca a fazer ó-ó - disse-me a pequenita. 
- Obrigada. 
- De nada - o Ezequiel sentou-a na cadeirinha dela, sentamo-nos os dois também à mesa e almoçámos tranquilamente. 

16:15h
A Ana tinha estava a dormir, deitadinha, no sofá. Tinha adormecido a ver os bonecos enquanto que eu terminei de arrumar as minhas coisas.
O Ezequiel estava sentado num outro sofá, de frente para a televisão...onde tínhamos tido a nossa conversa ontem à noite. 
Sentei-me ao lado dele e percebi que estava a ver um filme, mas que estava a começar.
- Como se chama? - perguntei, baixinho, para não acordar a Ana. 
- "Dear John".
- Filme do livro do meu autor preferido...


Ficámos os dois a ver o filme e...como seria de esperar, se já o tinha feito com o livro, fi-lo com o filme. Chorei...baba e ranho, como se costuma dizer. Filmes românticos em que as coisas não são um mar de rosas, são os meus preferidos. O meu choro colapsou quando chegou à parte do filme em que o John (interpretado pelo maravilhoso Channing Tatum) vai ter com o pai, que teve um AVC e lhe lê a carta que escreveu... arrepio-me de pensar, choro ao ver...
- Digo-te...pensava que tinha conhecido a pessoa mais chorona a ver filmes românticos...mas pelos vistos conheci essa pessoa agora.
- Desculpa...eu...choro...demasiado com estas coisas. 
- A Ana também era assim...mas tu chegas a ser mais que ela. 
Terminamos de ver o filme...o meu choro controlou-se. 
Estava a tentar recompor-me...quando tentei falar com o Ezequiel. 
- Pensas muito nela?
- Na Ana? - ele virou-se para mim. 
- Sim. 
- Todos os dias...é impossível não pensar nela com a nossa filha a andar pela casa e a ser parecida com ela a cada instante.
- Como é que consegues conciliar tudo? É a Ana...a falta da mãe dela...o futebol... como é que consegues?
- Tive e tenho muita ajuda...família e psicólogo. 
- Desculpa se não te faz sentir à vontade as minhas perguntas...
- Não...nada disso. É bom ter, finalmente, alguém que me entende a 100%.
- Nunca pensaste...em arranjar uma rapariga? 
- Não. Tu pensaste em arranjar alguém?
- Arranjei...
- Pois...desculpa. 
- Não tem mal. 
- Mas pensas, agora em arranjar alguém?
- Eu não sei...eu quero ir fazer o meu voluntariado daqui a dois meses e quero começar as aulas na faculdade. 
- Vais para onde no voluntariado?
- Algures em Angola. É um terra mesmo longe do centro sem qualquer contacto com o exterior...por isso já sabes, se quiserem saber de mim temos de arranjar outros meios, porque telemóveis e computadores não funcionam. 
- Fazemos como no filme...
- Cartas.
- ...cartas - dissemos os dois. 
O Ezequiel é encantador...sem sombra de dúvida. 
Sinto-me bem ao lado dele, sinto-me...com uma sensação de...protecção que não consigo descrever, nem explicar como, porque ou o que é que me faz sentir assim. 
O Ezequiel pegou na minha mão e olhou para a tatuagem que estava no pulso...a tapar umas das cicatrizes.
- Isto terminou? - perguntou-me a medo. 
- Terminou...por enquanto. Eu tenho de dar valor às pequenas coisas da vida...e neste momento tenho os meus sobrinhos, tenho a minha família a entender-me melhor...e...agora tenho-te a ti...e à Ana. Vocês, nestes dois dias, têm me feito um bem que não imaginam...
- Poderás contar connosco sempre. A Ana é pequena mas já entende muita coisa. E tenho a certeza que adora a ideia de ter uma mulher cá em casa. 
As nossas mãos...estavam presas uma à outra... estávamos os dois estranhos, porque nenhum de nós tinha feito algo, conscientemente, que fizesse com que as nossas mãos estivessem agarradas uma à outra.
Estávamos demasiado perto um do outro que me metia medo...eu sentia a respiração fresca dele, sentia o bater do seu coração na minha mão...isto não pode acontecer...não pode estar a acontecer...o Ezequiel e eu temos uma história idêntica mas não nos podemos aproveitar disso para...termos algo. Além do mais...ele é como se fosse da família. 
A distância entre nós ia diminuindo cada vez mais...e mais...e mais...
- Vocês são namoados?

quinta-feira, 18 de abril de 2013

37º Capitulo: "...pensas depessa?"


(Patrícia)
Falar de assuntos do passado com alguém...que está a viver algo tão semelhante ao que vivi, é, no mínimo  libertador. 
Nunca foi algo que quisesse contar à minha família, viram-me sofrer com o desaparecimento do Alonzo, mas não sabem os níveis que tomou e ao sobrecarregá-los com os meus... vícios, não me iria ajudar em nada. Na altura sentia que o problema era meu, que a única que não se enquadrava era eu, que precisava de ir ter com a única pessoa que um dia me jurou amar. 
São tempos difíceis  Anos, meses, semanas, dias, horas, minutos e segundos completamente agoniantes em que a única vontade que tenho é a de me despegar da vida. 
Ainda hoje tenho esse instinto de acabar com a minha própria vida, bem mais reduzido é um facto, mas todos os dias há algo que me faz descer e bater bem no fundo. Todos os dias lido com um objecto cortante que me faz querer magoar-me, que me faz morrer por dentro ao saber que não posso terminar com a minha vida...porque...por ter prometido à minha mãe, com quem falo todos os dias, que o deixaria de fazer. 
É óbvio que cumpro a promessa...é minha mãe e, apesar de ter morrido, é a minha rainha. 
E...com o nascimento do Lucas, o segundo filho do Enzo este com a Rita, sendo madrinha dele...sinto-me na condição de que é por ele que também me mantenho aqui. Sou a segunda mãe dele, se algo acontecer aos pais dele sou eu que tomo conta deles e se eu acabar com a minha vida o Enzo e a Rita ficam sem isso. 
- Acho que me vou deitar... - era demasiadas coisas ao mesmo tempo e precisava de estar sozinha. 
- Tenta descansar. 
- Até amanhã, Ezequiel.
- Até amanhã, Patrícia. 
Subi até ao que iria ser o meu quarto. 
Incrivelmente sentia-me à vontade neste ambiente. A Ana era um amor de menina, conseguia dar-me com ela e identificar-me até. E o Ezequiel...é um Homem com H. Consegue gerir uma carreira brilhante, uma família que, embora despedaçada, está unida. Pena que um dia eu não seja assim...
Andava às voltas na cama, não por ser desconfortável, mas não tinha sono, nem sequer vontade de dormir. 
Levantei-me e fui até à cozinha beber um copo de água, voltando ao andar de cima. Passei pelo quarto da Ana, que tinha a porta semi-aberta, e não resisti em não entrar. 
Fui até junto da cama dela...e dormia tranquilamente. 
Todas as pessoas têm sonhos, todas as mulheres têm o seu grande sonho...o de ser mãe. Eu tinha-o, realizei-o para agora estar completamente destruído  Quando comecei a namorar depois de perder o Alonzo...engravidei...e perdi o bebé aos 6 meses porque o meu útero não aguentou. Não aguenta e não aguentará qualquer ser que tente nascer em mim. Até nisto sou inútil, nunca serei capaz de manter um bebé na minha barriga porque sou demasiado fraca para isso. 
Fiquei algum tempo com a Ana, até que o sono chegou e me fui deitar. 

(Ezequiel)
- Papá!! - acordei sobressaltado com a Ana a chamar-me ao gritos, entrando no quarto.
- Que se passa, princesa? 
- Oh papá! O Cocas tá a dormir no chão...e não se mexe. 
- Está? 
- Sim. Anda ver.
Saímos os dois do quarto e fomos até ao quarto da Ana...onde estava o Cocas, o peixe de estimação dela. 
- Vês papá, vês - ela apontou para o chão e o peixe estava lá. E quando um peixe está fora do aquário...quer dizer que morreu - poque é que ewe quis dormir fora da casa dele?
- Ana... - baixei-me até junto dela - o Cocas não está a dormir. 
- Não? 
- Não querida. 
- Que se passou? Ouvi a Ana gritar - interrompeu a Patrícia entrando pelo quarto. 
- O Cocas está a dormir no chão - respondeu a Ana. 
- Está a dormir? 
- O papá tava a dizer que não...isso quer dizer que ele tá ao pé da mamã?
- Sabes... - a Patrícia sentou-se no chão e puxou a Ana para junto dela - ontem à noite eu vim aqui ao teu quarto e ouvi alguém me chamar. 
- Era o papá?
- Não...foi o Cocas. Ele disse-me que gostava muito de ti, mas que ia ter com uns amigos dele ao céu e que mandava muitos beijinhos à tua mamã. 
- Então ele agora vai ficar ali? 
- Não. Nós já o tiramos de lá. 
- Tá bem - a Patrícia era capaz de falar e explicar as coisas à Ana de uma forma tão doce e carinhosa que nem eu era capaz de fazer - papá eu quero outro bichinho. 
- Outro peixe?
- Não. O Ucky não pode vi morar com nós? - o cão que a Ana tinha achado ao pé do veterinário. 
- Sabes que a avó Rosa só vem cá de vez em quando. E que o Lucky está com ela em Espanha e com o avô. 
- E ele não pode vi?
- Poder pode, mas ele está com a avó. 
- E tu podes compar um cão pa mim?
- Queres ter um cão cá em casa?
- Sim. Queo muito. 
- Eu vou pensar nisso. 
- E pensas depessa?
- Se te portares bem. 
- Eu poto. 
- Vá, vamos lá para baixo tomar o pequeno-almoço e depois vimos vestir-nos - dei a mão à Ana e preparámo-nos para sair do quarto - obrigado Patrícia. 
- Não me agradeças. 
Fomos os três até à cozinha e tomámos o pequeno-almoço. 

(Patrícia)
Depois do Ezequiel ter saído para o treino, fiquei com a Ana em casa que, como o infantário estava fechado, aproveitamos o facto de eu estar a ambientar-me e ficar a tomar conta dela. 
- Tens desenhos como o meu papá - disse ela quando estava a dar-lhe uma boneca que me tinha pedido.
- E gostas dos meus desenhos? - ela referia-se às tatuagens dos pulsos. 
- É nito...mas o meu papá não deixa fazer. 
- És muito pequenina ainda. Um dia ele deixa. 
- Ajudas eu a dizer a ele para eu fazer?
- Eu acho que não vai ser preciso. 
- Poque?
- Porque o meu pai também não me deixava quando eu era mais nova e depois deixou. 
- Então quando eu for da tua idade posso?
- Podes. E se o teu papá também tem ele não se importa. 
- Quero fazer o desenho do Nemo. 
- Gostas de peixinhos, é?
- Goto. Tu gotas?
- Gosto sim. 
- Paticia tu podes namorar com o meu papá? - perguntou ela pousando a boneca. 
- Porque essa pergunta agora?
- Poque o meu papá pecisa de uma namoada. Todos os meus amigos têm um papá e uma mamã, e como a minha mamã tá no céu eu queria que ewe tivesse uma namoada para estar ao pé de nós. 
- Mas o teu pai pode não querer já pensas-te nisso?
- Ele não quer, mas ele assim ficava menos triste. 
- Ana, o teu pai ainda gosta muito da tua mamã. 
- E ela também gosta dewe. Eu falo com a minha mamã e ela diz-me.
- Mas o teu pai não está preparado ainda. 
- E tu podes prepará-lo?

quinta-feira, 11 de abril de 2013

36º Capitulo: Erros

Com o campeonato cada vez mais próximo do fim, fica cada vez mais importante cada vitória que conseguimos. E a desta noite, foi simplesmente espectacular. Derbys serão sempre derbys e, se o Sporting passou por tempos difíceis no passado, hoje estão com confiança de que são capazes. Mas mesmo assim...Benfica, é Benfica e vencemos o jogo por 3-0.
Era fantástico o público que nos apoia, sempre. Mas hoje em especial. Era o primeiro derby da Ana...pensei que ela se pudesse assustar com o ambiente, mas quando cheguei ao pé dela no camarote, estava super animada e eléctrica
- Papá! - ela veio a correr ter comigo e eu peguei-a ao colo. 
- Parabéns pelo jogo, mano - felicitou o Enzo. 
- Gracias!
Estava presente também a Rosa e o Roberto, os pais da Ana, que me felicitaram pelo jogo e pela vitória. 

23:30h
Depois de deitar a Ana...com muito custo, porque por ela ficava acordada por mais não sei quanto tempo, fui até à sala e a Patrícia estava sentada no sofá. Era estranho ter alguém em casa que não fosse a minha pequena, mas é bom. De manhã ela tinha trazido as coisas dela cá para casa, visto que o irmão tinha partido no avião das 22:30h com a mulher, a Rita. 
A Patrícia estava com duas fotografias da...Ana na mão. Duas das minhas preferidas dela.



A primeira tinha sido tirada em Santorini...a nossa viagem. E a segunda...pouco antes de nascer a nossa menina. 
- A Ana já adormeceu - ela assustou-se e colocou as fotografias na mesa de centro, onde estavam.
- Ainda bem... - sentei-me no sofá a seu lado e ela ficou a olhar para mim. 
- Que se passa?
- É a mãe da Ana? - perguntou-me ela. 
- É.
- Nunca vos vi juntos...vocês...estão separados?
Ela não sabia se o devia perguntar...mas perguntou...e ficou super atrapalhada, talvez com o meu silencio. Mas...poderíamos estar separados que eu não me importava. 
- Desculpa...já me meti demasiado. 
- Não. Não tem mal. Todas as pessoas fazem a mesma pergunta. E dou-lhes a mesma resposta...quem me dera estarmos separados.
- Como...
- A Ana morreu no dia em que a nossa filha nasceu - ela ficou estranha, adoptou uma posição completamente rígida com o que lhe acabara de contar, deixou de me olhar e fixou o seu olhar na porta de casa. 
- D...Desculpa...
- Não tens de pedir desculpa. 
- Tenho...não devia tocar nesses assuntos...coisas assim não passam em três anos - ela falou com sofrimento na voz...e choro. A Patrícia estava a chorar. 
- Ei - pousei a minha mão sobre a dela e olhou-me...e chorava... - porque choras?
- Porque sei que não devia ter tocado neste assunto - ela limpou as lágrimas e agarrou-me na mão - desculpa. 
- A serio...não me tens de pedir desculpa de nada. É verdade que custa...mas é cada vez menos. A Ana será sempre o meu grande amor, será sempre a minha melhor amiga e sempre saberei que passei com ela grandes e muito bons momentos. Não sei se me conseguirei voltar a apaixonar por alguém...nem sei se algum dia terei alguém do meu lado para além da nossa filha. Mas sei que ela olha por nós. 
A Patrícia olhava-me...esta rapariga é misteriosa. O Enzo falava que ela era uma rapariga com alguns segredos e que nunca lhe foi de contar nada. 
Olhou de novo para as fotografias da Ana e virou-se para mim. 
- Tenho a certeza que onde quer que ela esteja está a olhar pela filha linda que tem e pelo homem dela. 
Ficámos os dois em silêncio...ela andava perdida, percebi isso pelo olhar dela. Estava ausente...
- Que se passa? - perguntei-lhe. 
- Nada...mas...desculpa ter falado no assunto. 
- Já disse que não me tens de pedir desculpa de nada. 
- Tenho Ezequiel... - ela olhou-me e algumas lágrimas começaram a escorrer-lhe pela face - tens uma filha, uma carreira...e sofres com o que aconteceu à Ana todos os dias. Vês na vossa filha a tua companheira, vês em todos os cantos desta casa, ela, que estará sempre presente quer tu tentes esquecer, quer tu tentes ir ter com ela. Ficarmos sem a pessoa que julgávamos ser a nossa metade, o nosso suporte de vida...a nossa companhia para todos os momentos que iríamos viver. Ficar sem alguém desta dimensão é como...nos perdermos a nós próprios. 
- Falas na primeira pessoa... - fez-se uma pausa...até que ela falou. 
- Tal como tu...eu perdi a pessoa que um dia me demonstrou o que era o amor, o que era amar, o que era sentir tudo a níveis extremos... - ela...entendia-me - perdi o meu namorado, o meu melhor amigo, o meu eu...à três anos. 
- Patrícia... - estava simplesmente sem reacção. Sabia que algo a tinha deixado sem aquele brilho nos olhos. 
- Eu entendo o que passas-te e o que passas...mas Ezequiel...prende-te ao que tens de melhor na vida...e não cometas erros estúpidos como eu os fiz - já tínhamos deixado de chorar os dois. 
- Erros? 
- Tens de me prometer uma coisa primeiro. 
- Diz. 
- Nada do que te contei até agora...a minha família não sabe. O Enzo...não sabe. 
- Patríc...
- Ezequiel. Promete-me que não lhes contas. Eu quero desabafar com alguém que me entenda...mas não quero que lhes contes nada. Por favor!
- Podes ficar descansada... - por muito que me custasse mentir/esconder algo ao Enzo...ela precisa de falar. 
- Depois do Alonzo morrer...eu fiquei dois anos sem ninguém. Mas era nova demais para...não me envolver com alguém. Eu...arranjei outra pessoa. Ao inicio sentia-me bem, sentia-me como nova...mas foi quando essa pessoa começou a ser outra completamente diferente...que tudo o que tinha conseguido se desmoronou. 
- O que é que se passou? 
- Ele começou...a abusar de mim quando lhe recusava...e bateu-me duas vezes. Eu deixei-o...e ele até foi preso porque tinha assaltado uma loja. O pior veio depois...
- Pior? - tudo o que ela...passou...sem a família saber? Como é que era possível? 
- Veio...o Alonzo...e tudo o que passamos e o que planeávamos passar. A falta dele...do carinho dele...do nosso amor...e veio isto...eu escondi...mas ainda se vêem. 


- Erros... - as cicatrizes dela...como era possível a família nunca se ter apercebido? - Como é que eles nunca souberam de nada?
- A minha família? 
- Sim. 
- Estavam a delirar com o sucesso do Enzo...estavam muitas vezes fora do país...e eu ficava sempre na Argentina por causa das aulas...que nunca foi por causa disso.
- Daí nunca teres vindo com eles. 
- Sim. Desde os meus 18 anos que ando assim...são três anos...e esta mudança.
- Fizeste muito bem em vir para cá...podes contar comigo para o que for preciso e tens a Ana que te adora. E que...pelos vistos lhe chamas-te algo que a mãe lhe chama.
- Ela também fala com a mãe.
- Também?
- Como sabes...eu sou adoptada.
- Sim. 
- A minha mãe biológica morreu e eu ainda hoje falo com ela. 
- Achas que ela precisa de ajuda?
- Não. Faz-lhe bem falar com a mãe. Ela passou 9 meses com ela por alguma razão. 

domingo, 7 de abril de 2013

35º Capitulo: "...E o Ezequiel não é nenhum engatatão..."

Almoçamos no habitual restaurante que íamos, no Guincho, e eram cerca das 15:30h quando chegamos ao estádio. 
A Ana adorava vir ao estádio. Diz que um dia, quando for grande, vai ser aquela a sua casa. Não sei se é por a trazer a todos os jogos, se por pura simpatia, mas ela vive tudo o que aquele estádio lhe transmite. 
Depois de insistirmos um pouco com o segurança, conseguimos que ele nos permitisse mostrar algumas zonas do estádio à Patrícia...quem lho mostrava era a Ana, que quando tinha alguma duvida do sitio onde estava perguntava-me.
- E aqui é a reuva - tínhamos chegado ao relvado. O estádio vazio parece tão maior. Quando está cheio, com todos os nosso adeptos nas bancadas perdemos a noção da imensidão que este estádio é. 
- Belos tempo que aqui passamos... - comentou o Enzo. 
- Podes crer.
- Pai? - chamou-me a Ana. 
- Diz, pirralha.
- Eu podo correr? 
- Queres correr onde? 
- Na reuva...
- Tá molhada. 
Ela baixou-se e meteu a mão na relva.
- Não tá não, papá. 
- Então podes. Mas não te canses muito. 
- Tá!
Ela começou a correr pela relva...e puxou a Patrícia com ela. 
- Como é que depois dos treinos ainda tens força para aquela matolona? 
- Nem sei...acho que o facto de ela me animar um pouco é o bastante para conseguir ter energias...
- Ela faz muitas perguntas?
- Se faz!
- Da mãe?
- Sim...ela...tem uma ligação com a Ana que eu não consigo explicar. 
- Como assim?
- Ela diz que fala com a mãe...eu acredito, a imaginação das crianças dá para isso, mas mesmo assim...acho que há mais qualquer coisa que as une.
- Mano...elas são parecidas. 
- Se são.
- Quando é que pensas em avançar? - sabia perfeitamente ao que o Enzo se referia...
- É cedo...
- Cedo Ezequiel? Já passaram 3 anos...
- E tu achas que eu agora do nada vou arranjar outra pessoa? A Ana será o meu eterno amor...como ela eu não vou amar ninguém. 
- Amas a tua filha. 
- É diferente...muito diferente Enzo. 
- Já viste? A Ana é feliz, ela dá-se bem com toda a gente...
- Ela ainda hoje de manha teve uma conversa comigo sobre namoradas...por causa da tua irmã. 
- Da Patrícia? 
- Sim. Primeiro perguntou-me se ela era bonita e eu disse que não sabia e perguntei-lhe porque é que ela perguntava isso...há cerca de três semanas que me anda com a conversa das namoradas. 
- Ah! E queria que namorasses com a minha irmã? 
- É maluca o que é que queres?
- Queres dizer-me que não namoravas com a minha irmã?
- Achas? É tua irmã Enzo...
- E? Qual é o problema? 
- Sabes bem que não... 
- Mas ela nem é do meu sangue. 
- Mesmo assim! Olha mudando de assunto!
- Chuta.
- Ela só vai começar as aulas para o próximo ano lectivo, certo?
- Sim. Só em Setembro. Agora vai ficar por cá, depois vai dois meses para África e depois volta para aqui para começar as aulas. 
- Para África? 
- Voluntariado...mais uma coisa que ela tinha na cabeça. 
- Faz muito bem. Mas, que achas se ela ficasse lá por casa? Escusava de estar num hotel. 
- Achas? Nada disso. Só te ia dar mais trabalho. 
- Ela tem 2 anos por acaso? 
- Não, tem 21, mas não, não posso aceitar. 
- Não és tu que o tens de fazer... - elas continuavam as duas a correr, se bem que já estavam mais a andar depressa do que a correr. 
- Piolha!? - chamei a Ana, que veio a correr ter comigo e peguei-a ao colo - não estás cansada?
- Não! Posso ir correr mais?
- Não...a Patrícia já deve estar cansada.
- Estás cansada Patrícia? - perguntou ela à irmã do Enzo. 
- Não...
- Vês papá! Ewa não tá cansada!
- Mesmo assim...
- Então posso ir correr com o tio?
- Anda - o Enzo tirou-ma dos braços e desataram os dois a correr pelo relvado. Brincavam, riam-se...e a minha pimpolha de tentar correr mais depressa caía. 
Aproveitei que estava ali com a Patrícia, que se desmanchava a rir com o que se passava, para falar com ela. 
- Patrícia...
- Sim? 
- Eu estive a falar com o Enzo, sobre a tua estadia em Lisboa. E queria fazer-te uma proposta.
- Diga.
- Ei...afinal são duas. Primeira: esse você tem de desaparecer...podes não lembrar-te, mas já nos conhecemos. 
- Oh...é do habito.
- Tens de perde-lo então. 
- Vou tentar.
- Bom, mas a minha proposta é de tu ficares connosco lá em casa.
- Na sua...tua casa?
- Sim. Ficavas por lá, escusavas de estar num hotel ou mesmo a alugar um quarto. E como tu e a Ana se dão bem...
- Não sei se posso aceitar.
- Podes podes. Ajudavas como podias, nada de dinheiros que vocês para mim são família  Ajudavas lá por casa, e sempre era mais uma pessoa que a Ana passava a chatear a cabeça - ela gargalhou e olhou para a Ana, para breves segundos depois olhar para mim. 
- O que é que o Enzo acha? 
- Ele não tem de achar nada. Que é que tu achas? 
- Oh...eu não sei...não quero ser um intruso lá por casa.
- Mas se eu estou a oferecer...
- Então eu aceito. Mas tenho de falar com o Enzo sobre tudo.
- Só se for para ele te levar as malas para casa.
Ela voltou a rir-se...ela é simpática, dá-se bem com a Ana, poderá ser uma boa companhia lá por casa e...é bonita. Não tem nada a ver com o Enzo ou com a Sol, a outra irmã dele, porque a Patrícia é adoptada. Quando a conheci ela tinha uns 14 anos e era feliz...mas, apesar de se rir bastante com a Ana...o olhar não tinha qualquer brilho que uma pessoa na idade dela deve ter. Se a mudança que ela fez,de país, de continente, foi por impulso...de certeza que algo está por detrás disto. 
- Ei crianças!? - chamei, metendo-me com eles.
Vieram os dois a correr e a Ana agarrou-se às minhas pernas.
- Pega ao colo pai - pediu-me ela, e eu acedi ao seu pedido. 
- Ana...a Patrícia vai morar connosco. 
- Vai!? 
- Sim. Assim podes estar com ela, podem ser amigas e ela nem gasta muito tostão.
- Tá bom. E ela vai domir no meu quarto?
- Não. Ela vai ter o quarto dela.
- E vai já hoje? 
- Mas...quem é que decidiu isto tudo? - perguntou o Enzo.
- Está decidido mano.
- A Paticia vai mora comigo - e deitou a língua fora ao Enzo. 
- Tou feito...e tu porta-te bem! - virou-se ele para a irmã.
- Até parece que eu sou algum bicho papão com quem se pode lidar...
- Sei que não...mas não te deixes levar.
- Com o que? A Ana não me vai dar nenhuma trinca pois não?
- Eu não dou - respondeu a minha filha. 
- Vês!? E o Ezequiel não é nenhum engatatão, como aqueles argentinos que nós conhecemos. 

Lembrança: 

- Tem uma boa noite engatatão – disse ela.
- Buenas noches princesa.
- Esse teu espanhol irrita-me profundamente – ela aproximou-se, mas cambaleou e ia caindo para o lado.
- Se eu não estivesse aqui quem é que te agarrava?
- O chão! Não penses que causava muito estrago.
- Tu bêbeda respondes ainda mais.
- Respondo sempre a tudo e até a engatatões.
- Vejo que sim. Vem, eu levo-te para o quarto.
- Bem! Isso é logo assim com as outras? Tu dizes que as levas e elas caem?
- Tudo bem. Boa noite – larguei-a e fui em direcção do meu quarto.
- Boa noite muchacho - foi a última coisa que ouvi dela naquela noite.

Fim da lembrança.

- Está tudo bem? - perguntou o Enzo, despertando-me daquele transe...
- Sim...desculpa. Lembrei-me de uma coisa. 
- Do que papá? 
- Da mamã...
- Poque? 
- Porque a mamã chamava ao pai engatatão. 
- O que é isso? 
- Quando fores mais crescida percebes, mas também se não perceberes é bom sinal. 
- Não pecebi nada...
- Não faz mal.
- Então podemos ir pa casa? Quelo ir bincar.
- Mais?
- Sim. 
- Sim, vamos para casa. Vocês? Querem jantar por lá? 
- Não achas que ficares com a minha irmã lá não é suficiente? 
- Tudo bem...não querem a nossa companhia tudo bem...
- Não é isso. Temos umas coisas combinadas com a família da Rita. 
- Ela também veio? 
- Sim. Foi ter com a família dela e nós vamos jantar com eles.
- E não me dizias que a tua noiva está cá?
- Amanhã ela está no estádio por isso não te preocupes.
- Acho bem. 
Saímos do estádio e fui deixá-los ao hotel, para de seguida ir para casa com a Ana...que o queria era dormir a sua sesta e não brincar. 

18:30h
Estava a estranhar a Ana ainda não ter acordado, por isso fui até ao quarto dela e ouvi-a a falar: 
- ...eu sei mamã...mas o pai não quer gostar de mais nenhuma menina. E se eu digo a ele que tu dizes ele pensa que é mentira - ela fez uma pausa, para voltar a falar - mas pode ser que a Paticia mude ele...ela é bonita...pareces tu mamã. Ela hoje brincou muito comigo e chamou-se estrelinha, como tu chamas.
Toda aquela conversa...era surreal. A Ana não só "falava" com a mãe, como...parecia ter algum tipo de resposta. Será tudo da imaginação dela? Decidi não assustá-la e voltei ao andar debaixo, mas tinha de andar com mais atenção...poderia ela precisar de ajuda.