sexta-feira, 31 de maio de 2013

42º Capitulo: Enrique

Não estava mesmo nada à espera desta visita. Para além de que tínhamos falado à dois dias e estava longe, mais precisamente em Itália. Mas...é mesmo bom que esteja aqui. É uma companhia e vai ajudar-me a descomprimir e a melhorar o meu humor.
- Tami! - abracei-a e dei-lhe dois beijinhos 
- Buenos dias guapa
- Porque é que não disseste que vinhas? Entra.  
- Gracias - ela entrou e eu fechei a porta - não disse que vinha porque decidi tudo à última da hora. Pensei ontem e antes de marcar viagem para Madrid marquei para Lisboa. 
- E fizeste muito bem. Senta-te - sentamo-nos as duas no sofá e ela colocou a sua mão na minha barriga. 
- Está tão lindinho. Já começou com os pontapés?
- Já senti umas coisinhas, mas acho que fui só mesmo eu que senti. O Ezequiel não sentia cá fora.
- Então é calminho o menino.
- Afinal tinhas razão.
- Não tenho sempre? 

Lembrança: 
«- Bem...espero é que esse neño não seja como o pai.
- Menino? 
- Sim. Va ser un neño.
- Ainda temos de esperar algum tempo para saber das tuas suspeitas. 
- Estás de quanto tempo? 
- Três semanas. 
- Vocês vão ser muito felizes...os três. 
- Obrigada Tamara. Podemos contar contigo ao nosso lado? 
- Sí. Pero...se o Ezequiel não meter os pés em Madrid enquanto aqui estiveres ainda vamos ter o caldo entornado.»

Mostrei à Tamara todas as imagens que tinha das ecografias que ela ainda não tinha visto, bem como as primeiras botinhas do bebé que a minha mãe me tinha dado. 
- Ainda não começaram a comprar nada para ele?
- Não...com a mudança de casa ainda não começámos. Mas em breve vamos fazê lo. Temos de começar a comprar as coisinhas para o quarto e assim. 
- E estou a ver que também ainda não decidiram o nome do meu sobrinho. 
- Não...temos mesmo de começar a pensar...
- Que me dizes de irmos as duas às compras? Vou cá ficar até depois de amanhã e quero mesmo aproveitar para estar com vocês...
- Parece-me óptimo. Dás-me uns minutinhos para tomar um duche e vestir-me? 
- Claro!
Levantei-me e fui até ao quarto. Entrei na casa de banho e tomei um duche super rápido. Voltando ao quarto, escolhi uma roupa para vestir. Quentinha porque nesta época em que estamos o frio aperta e constipar-me não entra nos planos de grávida. 


Peguei na mala e fui até à sala ter com a Tamara. 
- Nem se nota que estás grávida - constatou. 
- Eu sei...mas o bebé está bem e com o peso certo...a médica já me disse que a partir de agora vai crescer muito. 
- E a tia vai ver esse neño crescer muito bem.
- Vamos?
- Claro - a Tamara pegou na mala dela e saímos de casa. 
Eu levei o meu carro e seguimos para o Oeiras Parque. Era pertinho e nem havia muita confusão. 
Antes de irmos para as compras fomos a um café para tomar-mos o pequeno almoço os três.
- Como é que correu em Itália? 
- Tudo tranquilo...foram duas semanas para aprender técnicas de comunicação e estruturar melhor a minha maneira de trabalhar. 
- E agora? Que se segue senhora Tamara Gorro? 
- Agora...agora vou aproveitar a estar com vocês e depois de amanhã volto para Madrid para...aproveitar também. 
- Com um tal José Maria "Desparecido" Callejón?
A Tamara começou a namorar com o Callejón, jogador do Real Madrid, à cerca de dois meses. Formam um casal tão querido e ela está realmente feliz.

José Maria Callejón
- Com esse mesmo...desaparecido porque?
- Porque às vezes ainda metia conversa no skype, mas já lá vão uns tempo que não falamos com ele. 
- Sabes como é...quando se tem a musa longe o skype é só para ela. 
- Estou a ver...fico mesmo muito feliz que vocês estejam a dar certo. Mereces alguém como o José.
- Depois de tudo o que aconteceu...pensei que não voltasse a arranjar alguém tão especial como o...como o Ezequiel era. Mas o José é, sem dúvida nenhum, o amor da minha vida. 
- Já tivemos a nossa dose...eu não queria ter-me metido entre ti e o Ezequiel. Vocês estavam noivos e...
- Ei! Nunca falámos sobre isto e acho que já o devíamos ter feito. Eu sabia muito bem que o Ezequiel tinha outra pessoa, que estava comigo mas pensava em ti. Um dia ouvi uma conversa dele com o pai e percebi tudo aí. Daí não querer vir com ele para Portugal. Eu sabia que ele te ia encontrar e sempre era melhor acusar a distância da nossa separação...mas agora eu sei o que é o amor verdadeiro. Vocês demonstraram-me um pouco isso e depois de conhecer o José senti eu também e é muito bom. 
- Tu mereces Tami e desculpa. 
- Merecemos todos e não me tens de pedir desculpa de nada. Tu e o Ezequiel amam-se e esse bebé é só mais uma prova desse amor. E eu descobri agora o que é amar realmente uma pessoa.
Acabamos de tomar o pequeno-almoço as duas e começámos as compras. A Tamara é uma pessoa super alegre, sempre com um sorriso nos lábios que contagia quem está à sua volta. Tornou-se uma grande confidente e sei que posso contar com ela para sempre.
Entrámos em algumas lojas, as primeiras foram sapatarias porque somos as duas apaixonadas por sapatos, se bem que com as dores de costas que às vezes tenho os sapatos de salto que eu amo usar não são os mais confortáveis. 
Por isso, enquanto ajudava a Tamara a escolher uns bem lindos para ela, escolhi uns mais baixinhos para mim. Depois de alguns sapatos comprados, fomos para uma loja de roupa. Precisava mesmo de começar a comprar roupa de grávida. Até agora usei sempre a minha roupa normal, mas já me começa a ficar apertada.
Adoro andar às compras, então nesta fase em que também já começamos a comprar coisas para o bebé. 
Parámos para almoçar...sim, passámos a manhã toda a entrar e sair de lojas, a vestir e a despir roupa e a ver coisinhas para o meu bebé. 
Tanto eu como a Tamara adora-mos massas e, por isso, fomos até a uma casa especialista em massa. Fizemos o nosso pedido e esperámos. 
- Comi as melhores massas da minha vida em Itália.
- E aprendes-te a fazê-las para mim?
- Acho que sim...mas só o faço se der um desejo louco ao meu sobrinho. 
- O teu sobrinho gosta mais de doce...nunca comi tanto chocolate na minha vida, como ontem...deu-lhe um desejo louco por crepes. 
- Foram três...
- Como é que sabes?
- Vi no twitter. 
- Oh pois...souberam-me tão bem! - e nisto chegam os nossos pedidos - obrigada. 
- Obrigada - agradeceu a Tamara também, bebendo um gole de sumo de manga. 
- Tami...eu e o Ezequiel estivemos a falar à uns dias por causa dos padrinhos do bebé. 
- Já andam a pensar em alguma coisa...ao menos isso. 
- Sim...e...eu não quero que o padrinho seja o Sergio, porque sempre lhe disse que iria ser o meu padrinho de casamento...
- É verdade! Também sei que estás noiva! Parabéns guapa
- Gracias!
- Então mas os padrinhos, desculpa...
- Bom...decidimos que o Ezequiel escolhia o padrinho e eu a madrinha. 
- Acho que fazem muito bem. 
- Pois...o Ezequiel escolheu o Gonzalo para padrinho e eu escolhi-te a ti para madrinha.
- A...mim...? - ela estava surpreendida, estava até com uma lágrima no canto do olho. 
- Sim. Tami, tu tens estado sempre a meu lado, sempre preocupada com o teu sobrinho...és como minha irmã. Tens sido muito importante para nós. 
- Ana... - ela agarrou-me na mão - será uma honra ser a madrinha desse ser maravilhoso. Muito obrigada. 
- Não tens de me agradecer nada...eu é que te tenho de agradecer por tudo. Tudo mesmo. 
Ela levantou-se e veio dar-me um abraço, ajoelhando-se a meu lado beijando a minha barriga. 
- Pequeño...é a tia/madrinha Tamara - ela acariciou a barriga e começou a chorar. 
- Tami...
- É muita emoção...eu estou tão sensibilizada pelo teu gesto. 
- Estás mais sensível que o costume...
- Estou - ela olhou-me e sorriu - eu estou grávida de duas semanas. 
- Tami!!! Parabéns! - dei-lhe um abraço muito forte e também eu me desfiz em lágrimas - o meu piolho vai ter um primo para brincar. Quando é que soubeste? - ela voltou ao lugar dela, limpando as lágrimas, assim como eu o fiz também. 
- À dois dias...és a quarta pessoa a saber. Só tu, a minha mãe e os meus avós é que sabem. 
- Ainda não contaste ao José?
- Não...
- E vieste aqui antes de ir ter com ele?
- Queria que fossem dos primeiros a saber também...e o José...ele desconfia porque ontem quando falei com ele acho que ficou com essa sensação, mas tenho medo da reacção dele. 
- Tami...tenho a certeza que ele vai amar essa notícia linda. Ele derrete-se com crianças. Não precisas de ficar insegura quanto a isso. 
- Pois...tens razão. 
- Ai! Estou mesmo feliz por vocês!
- Gracías!
Se antes era difícil tirar o sorriso dos lábios da Tamara, agora será impossível. Nisto, toca o meu telemóvel. Peguei nele, que estava em cima da mesa, e olhei para o visor.
- É o Ezequiel... - pressionei o verde e coloquei o telemóvel ao ouvido - Hola!
"- Mi vida!"
- Como é que correu o treino?
"- Correu bem. Estou super cansado, mas está tudo bem. E...o teu humor, como é que está?"
- Muito melhor agora que o teu filho está com a madrinha.
"- Estás com a Tamara?"
- Sim. Ela apareceu em nossa casa e vim com ela às compras e agora estamos a almoçar.
"- E já lhe disseste que a tinhas escolhido para madrinha."
- Já sim. E ela também me disse uma coisa mas só te diz a ti mais logo. 
"- Então!?"
- Não sejas curioso.
"- Isso...alinhas sempre com alguém contra o teu noivo, já reparaste?"
- Isso é só porque és um curioso muito perspicaz.
"- Diz que sim...olha queria pedir-te um favor."
- Diz amor. 
"- Os meus pais e os meus irmãos chegam às três horas e eu soube agora que tenho treino a essa hora...podes ser tu a ir buscá-los?"
- Claro. Não te preocupes. Vou com a Tami, ela vai ficar connosco até voltar para Madrid. 
"- Gracias mi reina."
- De nada. 
"- Mas a Tami vai ficar cá e nem vai ter com o José?"
- Digamos que...está a preparar-se. Mas depois ela explica-te.
"- E eu a pensar que te conseguia arrancar alguma coisa."
- Não. Já almoçaste?
"- Não. E tu?"
- Estava a almoçar. 
"- E o nosso minimeu, como está?"
- Feliz...com a madrinha e com fome...por isso, pai...falamos depois. Te amo mi rey
"- Vos amo!"
Desliguei a chamada, olhando para a Tamara que se ria. 
- Vocês são tão queridos. 
- Somos nós...só isso. Tami...temos de ir buscar os pais do Ezequiel e os irmãos dele que chegam às três da tarde. 
- Claro. Almoçamos e ainda damos aí mais uma volta e vamos buscá-los.
- Gracias.
Acabamos as duas de almoçar e ainda demos uma volta pelo centro comercial antes de irmos para o aeroporto. 
Chegámos ao terminal das chegadas já passavam uns minutos das 15h mas o avião onde estava a família do Ezequiel tinha acabado de aterrar pelo que não havia problema. 
Ainda não tinha estado fisicamente com eles desde que a minha barriga está mais visível. Mas pelos vistos ela nem é visível para ninguém...
Cerca de meia hora depois estava a Ayelen, o Juan, a Florência e o Ignacio a virem na nossa direcção. 
- Ana! - os meninos vieram a correr ter comigo e abraçaram-me. 
- Isso são tudo saudades minhas? - a minha relação com os irmãos do Ezequiel tinha-se tornado bastante forte e bonita. Eles são super meigos comigo e estão sempre a perguntar-me se estou bem, quer seja pelo telefone, pelo twitter, skype ou outra ferramenta. 
- Sim! - a Florência é a mais espontânea. É um amor de menina. Já o Ignacio é mais reservado, mas super atento. 
- Eu também tinha muitas saudades vossas - dei dois beijinhos a cada um deles, que depois foram cumprimentar a Tamara enquanto eu cumprimentei a Ayelen e o Juan.
- Minha querida...como estás? - perguntou a Ayelen depois de me abraçar. 
- Está tudo bem. 
- E o meu netinho? Quase nem se nota...
- Não andas a alimentar o rapaz! - alertou o Juan. 
- Não se preocupem que o vosso neto está perfeitinho e a crescer muito bem. Eu é que era muito magra por isso é que não se nota a barriga. 
- Vais ver que agora cresce rápido - a Ayelen e o Juan também cumprimentaram a Tamara e fomos para o carro. 
Colocámos as malas no porta bagagens e decidimos os lugares. O Juan veio comigo à frente e o resto do pessoal todo atrás, mais apertado que o normal. 
Depressa chegámos a casa e cada um levou a sua mala. 
Despi o meu casaco colocando-o no cabide e foi então que senti o pontapé mais forte que o meu filho tinha dado até então. 
- Ai! - gritei com a dor e todos vieram ter comigo. 
- Que se passa?
- Estás bem?
- Ana o meu sobrinho não vai nascer já pois não? - estavam todos a fazer imensas perguntas e eu só me desfiz em lágrimas. Da dor...e de emoção também. 
- Está tudo bem...foi apenas o pontapé mais forte que ele deu até hoje. 
- A serio!? - o Ignacio e a Florência colocaram as mãos deles na minha barriga e, de imediato o bebé deu um pontapé. 
- Sentiram?
- Sim! - eles ficaram felizes. E eu também. Ele reagiu aos tios e com pontapés bem fortes. 
- É melhor sentares-te um bocadinho - recomendou a Ayelen. 
- Claro... - fui até ao sofá e sentei-me. O Ignacio e a Florência ficaram comigo, enquanto a Tamara, a Ayelen e o Juan se instalaram. A casa ia ficar cheia...de amor.
Fiquei à conversa com os irmão do Ezequiel que me contaram o que eles tinham andado a fazer e me encheram de perguntas sobre o sobrinho. 
Eram cerca das 18:35h quando o Ezequiel chegou a casa: 
- Familia? - ele chamou, entrando na sala onde eu estava com os irmãos, que foram a correr ter com ele. O Ezequiel pegou nos dois ao colo e encheu-os de beijos. 
- Mano! Eu senti o bebé! - disse a Florencia. 
- Sentis-te!?
- E eu também - confirmou o Ignacio. 
Entraram na sala os pais do Ezequiel e a Tamara e todos o cumprimentaram. Ficaram algum tempo à conversa e, quando o Ezequiel se queixou de fome, foram todos até à cozinha para preparar o jantar, impedindo-me de fazer algo. 
O Ezequiel, antes de os ir ajudar, sentou-se a meu lado. 
- O nosso minimeu anda por aí a dar pontapés...sem ser ao pai? 
- Foi tão forte Ezequiel... - ele colocou a sua mão na minha barriga e chegou-se para junto de mim. 
- Tiveste medo?
- Sim...eu pensava que ele ia nascer e paniquei um bocado. Mas os teus irmãos ajudaram-me a relaxar. Parece que o teu filho quer marcar golos - coincidência ou não, o menino deu um pontapé. Já não me doía, mas ainda causava alguma impressão. 
- Que lindo...ele deu um pontapé... - o Ezequiel estava emocionado. Deu um beijo na barriga e deu outro a mim. 
- Agora também já sentes. 
- E é tão lindo...o nosso minimeu...
- Temos de pensar no nome dele amor. 
- Eu tenho uma sugestão...sempre foi o nome que queria dar a um filho meu, rapaz. 
- Qual é amor? 
- Enrique...
- Enrique Garay. Amo corazón! Amo, amo, amo. 

domingo, 19 de maio de 2013

41º Capitulo: "Queres falar dele?"

(Ezequiel)

- Ezequiel... - ouvir aquela voz fez-me despertar. Está tudo tão confuso...nada está a fazer sentido neste momento. Sinto o meu coração a bater tão depressa que parece estar a querer sair pelo peito fora... - Ezequiel... - estaria eu a sonhar? Mas...era a voz dela...a voz da Ana. Abri os olhos e ela estava viva...estava à minha frente. Tudo isto foi...um sonho!?
- Ana!? 
- Querias que fosse quem a estar contigo? - a...minha Ana. A minha vida...eu estive este tempo todo a sonhar! Puxei-a para mim e abracei-a, sentindo cada pedaço do corpo dela - o que é que se está a passar contigo? Eu sou a grávida e tu é que estás a pedir mimo? 
- É tão bom que estejas viva. 
- Credo Ezequiel! - olhei-a e beijei-a...sentir que a tinha perdido, nem que fosse em sonho, foi a pior sensação da minha vida. Ela é demasiado importante para mim...ela é a minha vida - o que é que se passa contigo hoje? - sentei-me na cama, agarrando-lhe na mão. 
- Tive o pior sonho da minha vida...
- Mas tem a ver com o assalto à tua outra casa? 
- Não...tinha a ver contigo...
- Comigo? 
- Sonhei que quando a nossa filha nasceu que tu...tinhas morrido...
- E não viste logo que era um sonho?
- Não...foi tudo tão real. 
- Ezequiel...eu estou grávida de um menino. 
- Mesmo assim Ana...parecia mesmo tudo tão real - coloquei a minha mão na barriga dela...agora estava tudo bem - parece que dormi tanto tempo.
- Mas o que é que aconteceu no sonho? Queres falar dele? 
- Foi o que te disse...a nossa suposta filha tinha nascido mais cedo e tu tinhas morrido durante o parto...
- Acho que os meus medos te andam a influenciar...desculpa - sim...a Ana está com medo do parto. Estamos grávidos de cinco meses...e ela já pensa nesse momento. 
- Não me tens de pedir desculpa de nada...é tão bom saber que foi tudo um sonho...quase tudo. 
- Então? 
- Apareceu a Patrícia...
- Quem?
- A irmã do Enzo. 
- Até isso foste buscar? 
- Sim...depois da tua parte do sonho veio a Patrícia...não sei se foi por tudo o que o Enzo nos contou ontem. 
- Deve ter sido...sabes que isso tem muita influência. Mas o que é que sonhas-te em concreto? 
- Praticamente o que ele nos contou...ela veio para Portugal para estudar e acabou por me contar a história dela...dos cortes e da perda do Alonzo...é que foi tudo o que o Enzo nos contou ontem...até o facto de ela estar internada no hospital. 
- Credo...a tua cabeçinha, meu amor...
- Nem sabes o alívio que é saber que foi tudo um sonho. 
- Nem tudo...a parte da Patrícia acaba por ser toda verdade.
- Sim...menos a parte de a Patrícia morar connosco e de eu...me apaixonar por ela. 
- Apaixonaste-te por ela?! - aquele jeito dela ficar chateada mesmo que a fingir...ai como é bom saber que ela está viva. Voltei a abraçá-la e acabei por nos deitar de novo.
- Nem sabes como é tão bom ter-te nos meus braços. 
- Não penses que te livras de mim assim do nada. 
- Acho muito bem! - não nos importamos nem um bocadinho com o que pudesse estar a acontecer para lá das quatro paredes do nosso quarto, ficamos ali apenas os três a aproveitar. 

(Ana)
Eu a pensar que era mais uma manhã normal...quando o Ezequiel estava no estado em que estava. Estes últimos dias têm sido uma confusão. Primeiro com a mudança de casa, com as notícias do Enzo sobre a irmã, a Patrícia, e ainda os meus medos do parto...ando um bocado paranóica com tudo isto.
Estou de cinco meses de gravidez de um menino lindo que ainda não tem nome. Ainda temos tempo para pensar nisso e estamos a aproveitar cada momento ao máximo. 
- Ana? - chamou-me o Ezequiel. 
- Que se passa nessa cabeçinha? 
- Está um bocado à nora, ainda, mas está a ir ao lugar...mas não era isso. 
- Então? 
- Eu sei que combinamos que íamos fazer as decorações de Natal, mas...achas que podíamos ir antes ver a irmã do Enzo?
- Não vejo porque não amor. 
- Assim até nem te cansas tanto hoje...fazemos as decorações amanhã, sim? 
- Claro. Eu entendo o que queres fazer. 
- Eu não sei se foi por causa do sonho...mas quero ir vê-la, e também dar apoio ao Enzo. 
- Bem...eu acho que vou é começar a fazer cenas de ciumes! - encostei-me na cabeceira da cama...as minhas costas não são o que eram à dois meses atrás. 
- Ei! - ele colocou-se em cima das minhas pernas e deu-me um beijo nos lábios - és e serás sempre a minha Ana, o meu eterno e único amor, a minha paixão, és a grávida mais linda, a minha metade. És a minha vida, amor. 
- Ezequiel... - ter as hormonas todas descompensadas trás isto...fico sensível a cada palavra que ele me diz...e depois só me restam os lenços de papel - te quiero tanto mi rey. 
- Y yo te quiero a ti mi reina...e por isso...está mais que na altura - ele levantou-se da cama e foi até ao roupeiro. Abriu-o, procurando algo - eu queria esperar por um momento especial, queria preparar-te algo especial...mas... - virou-se para mim, parecendo que não tinha nada nas mãos. Aproximou-se da cama e ajoelhou-se - depois do sonho de hoje, eu tenho mais que certezas que és a mulher que eu mais quero neste mundo. És a pessoa a quem eu quero chamar de minha para todo o sempre. Ana...queres casar comigo? - colocou uma caixinha junto de mim, abrindo-a...um anel de noivado estava no seu interior. 
- Ezequiel...és o homem a quem quero chamar de marido desde o nosso primeiro momento em Madrid. És o pai do meu filho, és tudo o que eu preciso para ser feliz...e...ter a honra de me quereres como tua mulher é a melhor coisa que podia pedir. 
- Isso é um sim? 
- É um, claro que sim homem da minha vida! - beijei-o a chorar...nunca pensei estar a acordar hoje e ficar noiva. 
O Ezequiel é o homem que amo, é a pessoa com quem quero partilhar os meus melhores momentos, os meus piores, quero que o nosso filho nasça perfeitinho e saudável e, morrer, velhinha ao lado dele. Colocou-me o anel de noivado, junto da aliança de namoro.

(Ezequiel)

Ainda nem acreditava ao certo que ela estava mesmo à minha frente, poderia ser tudo imaginação minha...mas tenho a certeza que não. Sinto cada abraço dela, cada beijo, cada olhar, cada bater do seu coração...é a minha mulher, a mãe do ser mais lindo que cresce dentro dela e é a minha noiva. É e será sempre a minha eterna Ana. 
Tinha de partilhar este momento com todo o mundo...acho que só assim ficaria marcado o dia de hoje: 12 de Dezembro de 2012, o dia em que a minha princesa acordou ao meu lado e me deixou o homem mais feliz do mundo. 

Los amo. Mi mujer es la mejor 
(Ana) 

Depois de passarmos ainda algum tempo a namorar, decidimos levantarmo-nos e despacharmos-nos para começarmos o nosso dia fora destas quatro paredes só nossas. Ainda nos estavamos a habituar à nova casa. Começámos a viver juntos à pouco tempo e tem sido cada dia melhor que o outro.


Em vez de tomarmos o pequeno-almoço, almoçamos e saímos de casa em direcção ao Hospital da Luz para irmos ter com o Enzo e o resto da família. A irmã dele, a Patrícia, tinha vindo a Portugal para passar o natal e tinha acabado de se adaptar. Ela têm um passado difícil, perdeu o namorado de 5 anos há três e desde então não se tem aguentado emocionalmente. O Enzo contou-nos ontem a história dela...ela já se tentou matar algumas vezes e ontem foi a última vez que o fez. Está internada no hospital com vários cortes nos braços e poderia ter morrido com a quantidade de sangue que perdeu. 
Assim que chegámos ao hospital, seguimos para o local que o Enzo nos tinha dito onde estava e, quando lá chegámos, pedimos licença para entrar no quarto. Cumprimenta-mos os pais do Enzo e o próprio e ele apresentou-nos à Patrícia. 
- Não te disse que eles vinham porque não me tinham dado certezas. É o Ezequiel e a Ana, a noiva dele. Eles sabem de tudo sobre ti e são dois grandes amigos meus, Patrícia. 
- Muito gosto em conhecer-vos - disse ela...estava animada, mas parecia distante. 
- Igualmente - falei ao mesmo tempo que o Ezequiel. Reparei que a mãe deles estava muito abalada, bem como o pai. 
- Precisam que vos vá buscar algo para comer, ou um café? - perguntei.
- Eles não querem sair daqui. Têm medo que eu me descontrole...como se isso fosse possível num hospital... - respondeu a Patrícia num tom um pouco irónico. 
- Se quiserem podemos ficar aqui com ela... - sugeriu o Ezequiel. 
- Sim...podem aproveitar para irem apanhar um pouco de ar - apoiei o meu...noivo, que bom é dizer isto, no que tinha acabado de dizer. 
- Vocês não se importam? - questionou o Enzo. 
- Podem ir descansados.
- Acho que podemos aproveitar para ir buscar a Floréncia - a mulher do Enzo, que ainda estava a vir da Argentina. 
- Parece-me bem querido, mas não será demais para os teus amigos? 
- Fique descansada. Acho que nos vamos entender os quatro muito bem - conto com o meu filho em tudo...é parte de mim e já tem a personalidade dele. 
- Então nesse caso... - todos se levantaram e despediram-se da Patrícia, agradecendo-nos o que estávamos a fazer. 
Eu e o Ezequiel sentámos-nos e ele começou a falar com ela: 
- Eu sei que posso não ser ninguém para ti e que me acabaste de conhecer...mas sou grande amigo do teu irmão, ele é como um irmão para mim. Ele contou-nos tudo o que se passou contigo e...eu queria-te dizer para te agarrares ao que tens de bom na vida. Tens os teus sobrinhos e agora com a vinda do bebé tenta prender-te a ele e deixa essas coisas que fazes a ti própria. 
- Parece que me conheces à imenso tempo. 
- Acredita que te conheço...bem. E sei que te vai custar muito ouvir isto mas...tens de voltar a amar. Só voltanto a amares alguém é que irás superar tudo isto - surpreendia-me com o que o meu homem dizia. Ele sempre teve a capacidade de o fazer e este momento foi apenas mais um. Sabia que ele tinha uma ligação muito especial com ela...podia ter acabado de a conhecer fisicamente, mas já a conhecia do sonho dele. E...uma rapariga de 19 anos tem de ser amparada de algum modo.
Passamos grande parte da tarde com ela. Apesar do que sofre, é uma rapariga com uma personalidade que me deixa sem palavras. Consegue sorrir com sinceridade e diz tudo o que tem a dizer às pessoas na cara das próprias. 
Quando a Florencia chegou com o Enzo e os pais dele, ficámos apenas mais um tempinho com eles e depois saímos do hospital. 
O Ezequiel...estava feliz. Tinha falado com ela, que era o que queria, e...estamos noivos, o que ainda me custa a acreditar.
- Apetece-me crepes... - os meus desejos vieram mais tarde que o normal...só a semana passada é que tive um desejo louco por morangos...coisa que nesta época do ano é complicado de arranjar. 
- A minha...noiva - fez uma pausa, colocando-se de frente para mim beijando-me - estás com mais um desejo. 
- Mais fácil de realizar. 
- Bem mais fácil. Podemos ir a Oeiras à Loja dos Crepes, que tal? 
- Parece-me muito bem e o teu filho agradece muito. 
- Filho, já viste o que o pai faz por ti? - o Ezequiel não se importa nem um bocadinho do sítio onde está para fazer o que lhe apetece, e estar agarrado à minha barriga na entrada do hospital é só mais uma dessas demonstrações. 
Fomos até ao carro e o Ezequiel conduziu até Oeiras para a Loja dos Crepes. Era perto do salão e já conhecíamos bem o tipo de delicias que eles faziam. Relativamente pouco tempo depois já estávamos em Oeiras e tínhamos a Loja dos Crepes aberta. 
Entramos e fizemos os nossos pedidos. O Ezequiel também fez para ele óbvio...e com a fome que tenho o mais provável é ainda picar um bocadinho do dele. 
Quando o meu chegou...foi de salivar. 



- Eu dizia que os teus olhos nunca brilharam tanto...mas era estar a mentir. 
- Está assim tão notório?
- Não...ninguém liga a uma grávida louca por crepes hoje em dia. 
- Eu te digo quem é a louca - peguei no garfo e na faca e comecei a saborear aquela maravilhosa explosão para o meu paladar. 
Deliciei-me com o meu crepe em pouco tempo...enquanto que o Ezequiel ainda tinha metade do dele no prato...limpei a boca, encostando-me na cadeira olhando para ele e para o prato e novamente para ele. 
- Vais utilizar o meu filho como a grande desculpa de que o teu desejo ainda não está completo, não vais?
- O teu também tem bom aspecto...
- Chega-te para aqui - puxei a minha cadeira para ao pé da dele. O Ezequiel preparou uma garfada com um pouco de tudo o que o crepe dele tinha. 


Estar grávida é comer coisas assim e não ficar arrependida por as ter comido. É só estar a satisfazer o bebé lindo. 
Antes de irmos embora...ainda comi mais um...estas vontades de comer...são loucas e não as posso travar. Coloquei a foto do último crepe que comi no twitter:
Parece mal usar o bebé como desculpa, mas sabe tãããão bem! #terceiro 
Saímos de Oeiras em direcção a nossa casa em Algés, cerca de 20 minutos dali. Estávamos num sítio muito calmo e tínhamos vista para o rio Tejo da nossa casa.
- Quando é que chega a tua família? - perguntei ao Ezequiel sentando-me no sofá. Eles vinham passar o Natal connosco, bem como a minha mãe e o meu pai que estavam em Madrid os dois juntos. 
- A minha mãe disse que ligava hoje a confirmar mas ainda não disse nada.
- Skype com ela? - ultimamente era assim que falava com a família toda. Todos queriam ver como é que a minha barriga iam crescendo e como é que nós estávamos. 
- Podemos tentar - o Ezequiel foi buscar o portátil, trouxe-o para a sala e eu sentei-me no colo dele, ficando aninhadinha a ele. 
Tivemos sorte e apanhámos a Ayelen por lá.
"- Olá meus anjinhos"
- Hola!! - cumprimentámo-la os dois ao mesmo tempo.
"- Sei que te tinha dito que te ligava Ezequiel, mas esqueci-me."
- Não tem mal mãe, mas já sabe quando vêm? 
"- Chegamos amanha à tarde."
- Boa! Assim ainda fazem a decoração connosco! - sempre era uma ajudinha extra e mais animação com os cunhadinhos por perto. 
"- Como é que está o meu neto mais lindo?"
- É o único que tens mãe...
- Ezequiel...não deixa de ser lindo o nosso filho. 
"- E não se contraria uma grávida"
- Fazem bem...unam-se os três contra mim. 
- Respondendo à sua pergunta Ayelen: o menino está bem...teve um desejo louco por crepes hoje mas está muito bem e muito feliz. 
"- Que bom que está tudo bem com ele. E...vocês? Têm novidades para mim?"
- Já contaste à tua mãe? - perguntei ao Ezequiel. 
- Não...mas escolhi o anel com ela...fiz o pedido hoje mãe - disse ele para a mãe e eu mostrei-lhe a minha mão para o comprovar. 
"- Eu fico muito feliz por vocês queridos."
- Gracias por tudo - disse. 
"- Não me tens de agradecer nada querida..."
- Tenho sim...apesar de no inicio ter sido conturbado, apoiou-nos sempre. 
"- És tu que fazes o meu filho sorrir como sorri hoje."
Ficamos ainda algum tempo a falar com ela, e ainda apareceram os irmãos do Ezequiel. 
Depois de fazer um jantar que...comi mais do que o normal...o meu apetite hoje está descontrolado...sentámos-nos no sofá.
- Ezequiel... - coloquei-me em cima dele - ainda não te agradeci como deve ser o teu pedido pois não?
- Hã? 
- Eu não sei o que se passa hoje com as minhas hormonas, mas neste momento estão a pedir sexo contigo. 
- Ainda bem que é comigo e não com o vizinho de cima! 
- Ainda bem que aprendes-te a ser engraçadinho! - começamos ali, na sala, o que seria uma noite maravilhosa de amor. Estávamos em sintonia porque ele o queria e eu ainda mais. 

Na manhã seguinte: 

Acordei mal disposta, de humor, com o Ezequiel a mexer-me na barriga.
- Eu só quero avisar que estou mal humorada e por isso já sabes que posso ter uma ou outra saída menos boa.
- Bom dia para ti também princesa - ele deu-me um beijo na bochecha.
- Bom dia. 
- Eu vou para o treino...ficas bem? 
- Não fico sempre? 
- Ficas...tenta fazer algo ao teu humor, sim? 
- Vou tentar - dei-lhe um beijo e ele saiu. 
O que fazer agora? Ir para a rua? Não...está frio e aqui em casa está-se melhor. Mas...ficar em casa? Não me apetece. Ai o raio!!
Estava deitada a pensar no que iria fazer quando tocam à campainha. 
- Já vai! - gritei...para que se ouvisse bem. 
Vesti uma t-shirt do Ezequiel e fui abrir a porta. 
Sabia perfeitamente o que iria ser o meu dia hoje! E ainda bem que assim era, iria, de certeza absoluta, animar-me!

quinta-feira, 16 de maio de 2013

40º Capitulo: "Tu pensas Ezequiel?"

O Ezequiel entrou no quarto, pouco tempo depois de o médico e as enfermeiras dele saírem. Ele olhava-me e eu olhava para ele...
- Desculpa - pedi - desculpa. Eu não o devia ter feito em tua casa. A tua filha não tinha nada de assistir a uma coisa assim. 
- Ela não viu nada. E... - o Ezequiel chegou perto da cama - tu não o deves fazer em lado nenhum. 
- Eu sou fraca.
- Mas...podemos tentar que sejas uma pessoa forte?
- Nunca tive ninguém a meu lado que me quissese ajudar...
- Até hoje - ele interrompeu-me - Patrícia, enquanto puder e conseguir eu ajudar-te-ei a seres uma mulher confiante, forte e sem esses pensamentos. Talvez não seja a pessoa indicada para o fazer, talvez o melhor fosse ires a um psicólogo que te ajude a serio. 

(Ezequiel)
Ela chorava desde o momento em que tinha começado a falar. 
- Eu não sei se consigo falar disto com mais alguém para além de ti...
- Então eu ajudo. 
- Mas não...mais pressão para ti não. 
- Se eu não o fizer...pode acontecer-te algo ainda pior...
- Eu só quero morrer! - ela explodiu. Foi o mais sincera que conseguiu e disse o que mais queria neste momento. Desatou num choro compulsivo, que me assustou. Sentei-me na cama, ao lado dela, e puxei-a para mim. Abracei-a e ela chorou como uma menina desprotegida que acaba de receber alguém que a pode ajudar – eu quero morrer para não ter de passar por tudo outra vez. Eu sou fraca...e não sei quanto tempo mais irei aguentar.
- Estás a falar do que?
- Eu não estou a saber lidar com isto outra vez. 
- Com o que? Fala comigo...
- Eu ouvi parte do que disseste. 
- Como assim? 
- Estavas a falar para mim e eu acordei e ouvi a parte do fim... - ela encostou-se à cama e olhou-me - eu...eu estou a sentir por ti aquilo que senti por outra pessoa depois do Alonzo morrer. As conversas que temos, as perguntas que a Ana faz...fazem-me ter a certeza que...está a crescer um sentimento diferente mas que eu não sei lidar com ele. 
- Nenhum de nós está a saber lidar com ele. Mas foi por isso que...
- Foi. Só me veio à cabeça o Alonzo, os tempo que estivemos juntos...mas ao mesmo tempo vieste-me tu à cabeça e o que se anda a passar entre nós...eu não estou preparada para nada...mas nos meus sentimentos parece que não sou eu que mando. 
- Eu vou ajudar-te, é o mínimo que posso fazer por uma pessoa como tu. Vou estar para ti sempre que precisares de falar com alguém. 
- Nunca ninguém fez algo por mim assim...
- É por eu ter essa certeza que te quero ajudar. Quando eu mais precisei tive alguém do meu lado, e eu quero estar ao teu lado...se tu também quiseres.
- É claro que quero - ela tomou a iniciativa e abraçou-me. Aconcheguei-a nos meus braços. Ela precisa de carinho, de conforto e de protecção. Precisa de momentos felizes que possam tornar os menos felizes em memórias de algo ou alguém importante - obrigada.
- Neste momento só quero que me faças uma coisa - olhei-a e reparei que o choro tinha terminado. 
- Diz. 
- Promete-me que quando te quiseres cortar outra vez vens ter comigo. 
- Como assim?
- No instante que te der essa vontade não fujas...não tentes. Vem para junto de mim e tentamos travar isso juntos. Prometes-me?
- Prometo que vou tentar. 
- Vou deixar-te descansar...e vou também ter com a Ana. 
- Vai...ela...está bem? Ela apercebeu-se de alguma coisa...
- Não. Eu levei-a para casa da vizinha da frente. Disse que estavas doente e que tinhas de vir para o hospital. 
- Desculpa...eu devia ter-me controlado melhor. 
- O importante é que estás...aqui - levantei-me e vesti o meu casaco - tenta dormir. És capaz de não ter sono, mas descansa. Amanhã estou cá. 
- Eu não sei como é que um dia te vou conseguir agradecer...
- Estando viva - ela olhou-me...de certa forma aliviada. Dei-lhe um beijo na testa e sai do hospital em direcção a casa para ir ter com a minha piolha. 

(Ana) 
Sinto-me bem...por ter falado com o Ezequiel. Sem dúvida nenhuma que ele é uma pessoa especial e que me faz sentir...especial como à 3 anos não me sinto. 
Dormir foi algo que só pela manhã consegui fazer, mas chorar também não chorei.

Na manhã seguinte:
Não me sentia...tão mal como no dia anterior. Estava mais dorida fisicamente é certo, mas tinha a certeza que...tinha alguém a apoiar-me e só ansiava a chegada dele. 
Eram cerca das 11:30h quando ele entrou no quarto do hospital. Vinha com dois sacos de desporto numa mão e uma outra mochila noutra. 
- Bom dia - disse ele animado...o que me animou.
- Bom dia - ele pousou os sacos de desporto no chão e a mochila na cadeira, abrindo-a e retirando de lá um peluche. 


- A Ana mandou o Teddy para ti. Disse que era para não teres medo de ficar sozinha no hospital. E mandou cinco beijinhos - ele entregou-me o urso com que a menina andava sempre e deu-me cinco beijos na bochecha - estes são pela Ana - voltou a dar-me outro beijo na bochecha, mais demorado e repenicado - este é meu. 
- Vocês são iguais. 
- Só tento que a minha filha seja querida e fofinha como o pai. 
- Convencido. 
- Realista ou não?
- Sim...
- Como é que te sente? - ele sentou-se na cama, ao fundo dos meus pés.
- Estou com algumas dores...mas podia estar pior. 
- Eles já te deram alguma coisa para as dores?
- Já...mas ainda agora começaram...
- Eu ontem estive a pensar...
- Tu pensas Ezequiel? 
- Porque é que eu digo isto e me fazem sempre o mesmo tipo de comentário? 
- É só uma maneira de te picar. 
- Ao menos isso...que não seja nenhum insulto à minha pessoa. 
- Fica descansado. 
- Bem...mas estive a pensar...para tentarmos ultrapassar algumas coisas - ele estava com cara de assunto sério - podemos escrever uma carta ao Alonzo e à Ana. Cada um escreve a sua e dá ao outro para ler. Eu já fiz isso com o psicólogo, mas talvez seja bom fazer contigo. 
Poderia...ser um reviver de emoções passadas que me iriam custar a escrever, mas podia...ajudar, certamente.
- Tens papel e caneta? - perguntei.
- Tenho...mas queres fazer já? Podemos esperar mais uns dias até recuperares...
- Tenho a certeza que quero fazê lo agora - ele foi até à mochila e retirou de lá dois cadernos e duas canetas. Entregou-me um dos cadernos e uma das canetas e sentou-se numa poltrona um pouco distante de mim. Precisávamos de espaço.
Custava imenso segurar na caneta, mas custava menos à medida que ia escrevendo.

Algum tempo depois: 
- Terminei. 
- Terminei - dissemos os dois ao mesmo tempo. Estava à demasiado tempo a escrever. Já tínhamos almoçado e tudo.
O Ezequiel veio para junto de mim e sentou-se na cadeira a meu lado.
- Como é que queres fazer? Leio primeiro a tua ou lés a minha? - perguntou-me.
- Como quiseres...
- Podes ler a minha primeiro - ele entregou-me o caderno. A letra dele era bonita, bastante trabalhada, mas fácil de entender.
«Minha metade, minha força, minha Ana, 
Esta é a segunda carta que te escrevo, é a segunda porque tivemos a nossa primeira...a da nossa despedida. Quando partiste, uma parte de mim desejou ir atrás de ti...mas a outra parte agarrou-se à nossa pequena e preciosa jóia rara. Esta cada dia mais atrevida e respondona como a mãe, mas também cada vez mais esperta. É, sem dúvida, tua filha. 
A tua falta todos os dias é horrível  Falta-me o teu cheiro, falta-me o teu sabor, o teu sorriso, os teus olhos quando me olhavam...os nossos sorrisos. Todos os nossos momentos que ninguém esteve presente para assistir a eles, mas que nos marcaram. 
Estou a escrever-te esta carta para, de alguma maneira, tentar ajudar-me e ajudar uma pessoa. Foste, és e serás o meu grande amor, a minha melhor amiga, mas...quero que saibas que conheci uma pessoa. Ela chama-se Patrícia...e temos um passado algo para o complicado. 
Ela tem-se dado maravilhosamente bem com a Ana, e a Ana com ela. Falaram já de ti e de como é que a nossa filha te tem presente no dia a dia dela. Como ela me disse, um filho não passa nove meses na barriga da mãe à toa. Vocês têm uma ligação demasiado forte.
A Patrícia é uma pessoa maravilhosa. É frágil, é insegura, tem imensas dificuldades em lidar com o passado dela e não está a saber lidar com o presente que está a ter.
Eu vou contar-te: a Patrícia é irmã adoptiva do Enzo e ela sofreu o mesmo que eu à três anos atrás. Ela perdeu uma pessoa para ela como tu és para mim. Temos andado a falar...mas estamos ambos a sentir que algo maior e com dimensões que nenhum está a saber lidar. Eu quero ajudá-la, como me ajudaram a mim depois de te perder. Quero que ela veja em mim um porto seguro onde pode vir sempre atracar...
Mas, ao mesmo tempo, há o passado. Existes tu e existe o Alonzo para a Patrícia. Nenhum de nós está pronto para vos deixar...como é que eu te posso deixar se todos os dias ainda choro pela tua ausência...chorava...porque há duas noites que não o faço...há duas noites que me deito e penso nela...penso na Patrícia, no olhar dela, no sorriso que tem nos lábios quando está ao pé da nossa menina...mas sinto que te estou a trair e acabo por não querer estar a pensar nisto, quando é exactamente o que quero fazer. 
Esta carta, quem a vai ler para além de ti, é a Patrícia. Ela estará a le-la a qualquer momento...e quero que vocês as duas saibam que...se complementam. Desde que ela entrou nas nossas vidas, que sinto uma presença estranha, sinto que estás perto, que nos estas, de certa forma a empurrar um para o outro. Queria, por momentos, ter a certeza que és mesmo tu que o estás a fazer e que é a tua forma de me perdoares. De me perdoares por estar a gostar com sinceridade de uma pessoa, por estar a sentir por ela o que ainda não tinha sentido por nenhuma mulher depois de ti. 
Quero pedir-te desculpa por ceder, eu prometi-te que ia ser só eu e a nossa filha...mas...se a Patrícia está a entrar na minha vida de uma maneira completamente louca e arrepiante eu quero aproveitá-la, quero curá-la para me curar a mim, quero amá-la para me amar a mim, quero te-la para me lembrar de ti como a mulher que sempre amei e sempre amarei, mas que partiu cedo demais da minha vida, e que me deu uma outra mulher que não a irá substituir, porque ninguém te vai substituir, para que o amor volte a estar presente em todo o meu dia e em toda a minha noite. 
Desculpa por ser fraco, por me tentar apaixonar.
A única coisa que quero é que me entendas, que me compreendas e que me apoies...quero que me dês o teu apoio e o teu sim ao que eu e a Patrícia poderemos ter. 

Um beijo de quem te ama e amará sempre, um beijo de quem nunca te esquece e que nunca esquecerá. 
Te quiero mucho mi reina.

O teu eterno, Ezequiel.»

Tanto eu como o Ezequiel chorávamos. Era uma carta...tinha tantos sentimentos em torno dela e eu identificava-me com todos eles. 
- Agora é a minha vez - o Ezequiel limpou as lágrimas que lhe escorriam pelos olhos e pegou no caderno onde tinha escrito a minha carta ao Alonzo. 

«Querido Alonzo,
Nem sei como, mas estou a escrever algo...direccionado a ti.
Os nossos anos de namoro foram os melhores da minha vida, todos os dias que passámos juntos foram magníficos, foram simplesmente perfeitos. 
Estar contigo fazia-me sentir uma princesa, tudo à minha volta parecia não existir e só nós é que importava. Hoje, sinto falta desses dias, sinto falta do teu abraço, dos teus beijinhos, dos teus carinhos e até das vezes em que me repreendias quando não estava tão bem arranjada :) 
Estiveste quase a pedir-me em casamento...no meu dia de anos. Mas não o fizeste porque o Enzo apareceu e não te deixou terminar o que ias fazer...e foi tudo no dia antes de morreres. 
Porque é que não me disseste que estavas doente? Que tinhas uma doença terminal e que podias morrer a qualquer minuto? Tu eras importante para mim, e eu para ti. Estivemos tanto tempo juntos e eu nunca desconfiei de nada. Nunca! Fui cega...o amor cegou-me. O problema é que tu aparentavas estar bem...mas o facto de a tua mãe me ter dito que já sabiam do teu estado de saúde à dois meses...eu nunca me chateie contigo por isso, só queria que mo tivesses contado. 
Dois anos depois de morreres envolvi-me com aquele nojento ..foram os piores meses da minha vida. As vezes que ele me violou, que me maltratava verbalmente e...as duas vezes que me bateu. 
Quando engravidei dele...pensei que podessemos ter algo mesmo sério...até aos meus seis meses de gravidez. Já reparaste na ironia do destino? Querer tanto ser mãe e depois ser uma fraca e inútil que nem um filho consigo ter? Hoje, se aquele bebé tivesse nascido, como é que eu estaria? Eu era mãe, tinha um ser à minha responsabilidade e tinha a certeza que me iria amar e que eu o iria amar para todo o sempre...
Mas não...esse bebé nunca veio ao mundo, e nenhum outro poderá vir por eu ser demasiado frágil. Se eu um dia engravidar serão dois milagres: voltaria a amar alguém e conseguia carregar um fruto desse amor no meu ventre. 
Sempre pensei que fosse contigo que iria ter o meu primeiro filho, mas parece que não...partiste cedo demais Alonzo. 
Estou aqui a escrever-te esta carta...porque tenho um anjo d'aguarda que, felizmente, não me deixou ir ter contigo. O Ezequiel. 
Vocês são tão idênticos...ele sabe dar mimo, sabe dizer as palavras certas no momento certo, sabe o que eu sinto...é pai de uma menina linda e que é a animação daquela casa. 
Estou a escrever-te esta carta porque ele deu a ideia...temos andado os dois próximos e, se estou neste momento no hospital, é porque fui fraca ao não saber lidar com os sentimentos que andam à nossa volta. O Ezequiel é uma pessoa...maravilhosa. Ele faz-me sentir bem quando falo com ele, faz-me sentir coisas que nunca pensei que pudessem ainda existir dentro de mim...eu não sei se é o amor adormecido...mas é algo que me faz querer estar junto a ele, falar com ele...como o fazia contigo. 
O Ezequiel nunca te irá substituir porque és a pessoa mais importante que tenho...mas...eu quero tentar ser uma pessoa diferente, quero desprender-me um pouco do passado e viver o presente. Quero voltar a ter alguém a meu lado que me faça sentir viva e sem vontade de morrer. 
Desculpa se de alguma maneira te desiludi nas vezes que me tentei matar...não era minha intenção. Apenas queria saber se morrendo, iria estar contigo outra vez. 
Peço-te...se estiveres realmente a ler o que escrevo, que me digas algo...eu falo com a minha mãe...contigo nunca o fiz...mas, eu acredito que o céu existe...fala com a minha mamã e dá-me a resposta que eu preciso. 
Eu quero ser feliz, eu preciso de o ser, mas também preciso de saber que me perdoes e que me digas que sim, que posso seguir com a minha vida em frente. Ouvir da minha mamã algo que me indique que é ao Ezequiel que me devo prender seria a melhor coisa que poderia acontecer. 
Eu quero amá-lo, muito, quero puder voltar a sentir-me bem e feliz com um homem a meu lado. Ele é um homem perfeito, maravilhoso, é lindo, entende-me e sabe falar comigo como ninguém sabe. Sabe, ainda que inconscientemente, mexer com o meu interior, com os meus desejos de mulher, que estão presos a ti. 
Nunca quis desprender-me de ti, por te amar, por saber que um dia te ia encontrar, mas hoje, neste momento, quer que sejas o meu passado feliz que pode contribuir para que o meu presente seja ele também feliz com uma pessoa que me pode tornar a voltar a acreditar no amor, apesar de todas as nossas vidas no passado. 

Alonzo, eu preciso do teu perdão, do teu sim para seguir com a minha vida. Preciso de saber isso, de ter a certeza que o que vou fazer é o mais correcto. O Ezequiel vai estar a ler a carta...em voz alta à minha frente e sabes perfeitamente que não me dou muito bem com estas situações constrangedoras mas eu estou a ser sincera, devo-vos isso. Eu quero amar o Ezequiel. Quero conseguir algo bom e feliz com ele e com a filha maravilhosa que ele tem com a mulher maravilhosa que foi a mãe dela. 

Fico à espera. 
Te amo mi feo. 

Sempre tua, Patrícia.»

Era duro reviver tudo o que estava escrito na carta...era o meu passado misturado com o presente complicado que está a ser. Estávamos os dois emocionados, demasiado emocionados. Mas, pelo menos eu, estava aliviada...senti que me saíram toneladas de cima dos ombros
Tudo o que estava escrito era verdade. Eu tenho uma necessidade de amar como nunca tive, sinto uma vontade enorme de o ter para mim como nunca tive com ninguém, mas tenho a perfeita noção que é preciso muito trabalho de ajuda para que consiga desprender-me do passado. 

quinta-feira, 9 de maio de 2013

39º Capitulo: "Temos de dar beijinhos a ela."

O Ezequiel afastou-se, eu levantei-me do sofá e subi para o meu quarto, onde...me perdi. 

(Ezequiel) 
- Poque é que ela foi emboa? - perguntou a Ana. 
- Porque...porque a Patrícia...ela não está bem pequenina. 
- Tá doente? 
- Não...mas a Patrícia...ela está como o pai. Pior ainda. 
- Como tu? - ela pareceu confusa...e eu sei saber o que lhe dizer ao certo. 
- A Patrícia também ficou sem uma pessoa de que gostava muito. 
- Como tu da mamã?
- Sim. 
- E ela tá tiste?
- Muito mais triste que o pai. 
- Temos de dar beijinhos a ela. 
- Temos, amor...mas não podes fazer essas perguntas assim pode ser? 
- Pode. 
- O pai agora vai ver como é que ela está, sim? 
- Poxo ir?
- É melhor ficares por aí. Depois eu chamo-te. 
- Tá bom. 
Levantei-me do sofá e subi até ao andar de cima. Fui até à portado quarto da Patrícia e bati:
- Posso entrar Patrícia? - não obtive qualquer resposta...nem ouvi qualquer tipo de barulho, nem um choro, ou um barafustar - Patrícia? - voltei a bater à porta e nada. Abri a porta devagar e espreitei - oh meu Deus! Patrícia - ela estava deitada no chão...e em volta dela poças de sangue cobriam o soalho. Ela estava inconsciente, estava pálida, sem qualquer tipo de reacção  Peguei no telemóvel e liguei de imediato para o 112: 
- 112, qual é a sua emergência? 
- Preciso de uma ambulância depressa para minha casa, tenho uma rapariga deitada no chão que acabou de se cortar. 
- Como é que ela se cortou? 
- Voluntariamente. Nos braços. Tem cortes profundos e outros não tão fundos - enquanto tapava os braços da Patrícia com lençóis, dei as indicações da morada e fui ter com a Ana. 
- Como é que tá ewa? 
- Pequenina... - peguei nela ao colo - vais ter de ficar com a vizinha sim?
- Poque?
- O pai tem de ir para o hospital com a Patrícia. 
- Mas ela tá doente? - abri a porta de casa e corri até à vizinha da frente, que costumava ficar com a Ana quando tinha algum imprevisto.
- Sim. Ela está doente, mas vai passar. 
Entreguei a Ana à vizinha, que não me fez qualquer tipo de pergunta, apenas lhe pedi que não deixasse a Ana chegar às janelas para não ver alguma coisa. 
Voltei a casa ao mesmo tempo que os paramédicos chegaram. 
- Onde é que está a rapariga? 
- Acompanhem-me - entrámos em casa e corremos até ao quarto dela. 
Continuava inanimada. Completamente sem vida. Começaram logo a cobri-la com cobertores, pois ela já estava a ficar fria, colocaram-lhe uma mascara de oxigénio e meteram-na na maca para a levarem para o hospital. 
- O senhor é da família
- Não não. Ela está aqui a passar uns tempos porque vai começar a estudar cá no próximo ano, mas sim...neste momento pode-se dizer que sou a família que ela cá tem. 
- Ela vai ser levada já para o hospital. Acompanhe-nos atrás da ambulância. 
- Com certeza. 
Levaram-na para a ambulância, enquanto que eu peguei na mala dele, onde tinha a carteira com os documentos. 
Segui a ambulância até ao hospital e em menos de 15 minutos já ela estava a dar entrada nas urgências. Preenchi os papeis e sentei-me na sala de espera. 
A parte mais complicada...esperar. 
As imagens começaram a aparecer na minha cabeça em câmara lenta...começando na cena toda da Patrícia, passando pela perda da Ana e acabando com a noite do assalto em minha casa...veio tudo no mesmo momento...mas havia apenas uma pessoa em quem pensava no meio disto tudo...na Patrícia. 
Ela tinha acabado de falar comigo...que os cortes tinham acabado. Por enquanto...mas voltar a cortar-se...assim? E o mais...surreal no meio disto, é que ela não se cortou onde se cortava...começo mesmo a sentir um carinho por ela que nem eu sei explicar...e...vê-la tão tranquila, mas ao mesmo tempo num estado terrível com...aqueles cortes, não sei...mas tenho a certeza que a tenho de proteger. Ela é frágil demais...sofre imenso e precisa de alguém. Ela não deve ter tido a ajuda que eu tive...por isso está assim. 
Chorava...por ela. Com uma vida ainda pela frente e a querer matar-se? É terrível só de pensar...então ela...sentir que deve morrer e tentar fazê-lo...
e mesmo... indescritível

5 horas depois:
Não sabia se havia de ligar ao Enzo, não sabia se havia de ficar calado...ela não quer que se saiba...mas eles têm o direito de saber. Mas ao mesmo tempo...eu prometi-lhe, que não lhes iria contar. 
E esta espera!? Está a dar comigo em louco! Passaram-se cinco horas desde que demos entrada no hospital e ainda não me tinham dito nada sobre ela. E eu já não sabia como estar: sentado, de pé, a andar ou apenas ali parado. 
Fui até ao fundo do corredor e quando estava a voltar, vi um médico a procurar alguém. Corri até ele: 
- Doutor...tem notícias sobre a Patrícia Lopez? 
- Está a acompanhá-la? 
- Sim. Já tem novidades? 
- Já sim. A menina Patrícia deu entrada nestas urgências com cortes nos braços, alguns mais profundos que outros. Tivemos de lhe parar as hemorragias, fechar os cortes mais profundos e teve de ser submetida a múltiplas transfusões sanguíneas, devido à quantidade de sangue que perdeu
- E como é que ela está? 
- Não lhe posso dizer que esteja bem...porque saberá que não está. Mas, fisicamente, irá recuperar. Está ainda inconsciente, mas acreditamos que em breve acordará. A única preocupação que temos neste momento é do estado psicológico dela. Era bom que ela consultasse um especialista. 
- Claro...acha que a posso ver? 
- Sim. Nós estivemos à espera que ela passasse para o quarto para lhe dizer. Vá até ao fundo do corredor, entre na ala dos quartos e ela está no 124. 
- Muito obrigado doutor - apertei-lhe a mão e segui as instruções que ele me deu. 
Entrei no quarto...ela estava com uma mascara de oxigénio, com os braços envolvidos em compressas ..todo aquele ambiente fez-me voltar a chorar...mas de alivio, por saber que ela está viva. Que ela...não abandonou a vida...que ela não...me abandonou. 
Cheguei perto dela, sentei-me na cadeira ao lado da cama e agarrei-lhe a mão, com cuidado. 
- Tens noção do que é que te foste fazer? Não é assim que podes resolver os problemas...tens de falar...com um psicólogo ou comigo - não a conseguia olhar...foquei-me na paisagem que se via da janela do quarto - o...que tu fizeste...tu pensaste no que podias estar a fazer? Olha se...os cortes fossem tão fundos que tivesses morrido? Ou...se eu tivesse chegado tarde demais? O que é que eu ia dizer ao teu irmão? E aos teus pais? Tu...Patrícia...tu tens de te agarrar ao bom da vida e não...ao passado. Tu sofreste...e eu também...mas não podes fazer isso. Pelos teus pais, pelo teu irmão, os teus sobrinhos...a minha filha...por mim, mas sobretudo por ti. Tu és linda, és uma pessoa maravilhosa, que apesar de estares à pouco tempo connosco. Passaram três anos desde a morte do Alonzo...e da morte da Ana...ainda dizem que não há coincidências...morreram os dois à três anos e têm o nome começado por A. Ninguém, nas nossas vidas, os irá substituir porque eles eram únicos...mas...depois de teres aparecido na minha vida...e na da Ana, eu sei que é possível que haja alguém em que eu me posso agarrar...em quem eu confio, em quem eu vejo...o futuro - olhei para ela...desde que me sentei na cadeira - se tu tivesses morrido...tudo isso ia por água abaixo. Tu és...essa pessoa em quem eu me quero prender, quero me agarrar a ti e...ajudar-te a ultrapassar as coisas, como me ajudaram a mim, és a pessoa em quem confio...eu consigo imaginar o meu futuro contigo - o que dizia, não era capaz de lho dizer cara a cara...chamei-me de cobarde mas se ela estivesse a ouvir o que lhe digo...eu já tinha terminado à muito tempo.

(Ana) 
Abri os olhos e...percebi que estava no hospital. Não, ainda não foi desta que morreste! Critiquem-me por ser fraca demais. Estão à vontade...mas a pressão de...puder namorar com o Ezequiel era muita. A Ana é pequenina, não entende e não tem culpa de nada, mas a insistência no assunto namoro...e depois do nosso momento...fui fraca demais.
Não tinha dores...como das outras vezes, estava tudo calmo...havia uma mistura do barulho das máquinas...e palavras do Ezequiel:
- (...) se tu tivesses morrido...tudo isso ia por água abaixo. Tu és...essa pessoa em quem eu me quero prender, quero me agarrar a ti e...ajudar-te a ultrapassar as coisas, como me ajudaram a mim, és a pessoa em quem confio...eu consigo imaginar o meu futuro contigo. - ele estava...a chorar e...a dizer coisas tão sinceras.
Não conseguia eu falar...por estar com a mascara de oxigénio e não sei se tinha forças na mão para o agarrar, como ele me agarrava. Comecei a tentar fazer força na mão, para que ela se fechasse e segurasse a mão do Ezequiel. Doeu...mas consegui.
Ele olhou para mim e, apesar de estar invadido por lágrimas, sorriu-me.
- Como é que te sentes? - eu não conseguia falar por estar com aquilo, mas fiz-lhe sinal com a cara de que estava mais ou menos - vou chamar o médico...para te puder tirar isso, sim? - abanei a cabeça positivamente e ele pressionou o botão vermelho.
Depressa duas enfermeiras chegaram ao quarto e pediram ao Ezequiel que sai-se. Retiraram-me o oxigénio e aumentaram a dose de soro. O médico também veio até ao quarto e começou a falar comigo:
- Como é que se sente? 
- Viva...
- Isso quer dizer, exactamente, o que? 
- Que...não morri. 
- Patrícia...que acha se a encaminha-se para um psicólogo?
- Já tenho. 
- Tem a certeza?
- Absoluta. 
- Vamos deixá-la descansar. Amanha voltamos cá de manhã, bem como o rapaz que a trouxe.
- Ele ainda está cá? 
- Está sim...mas precisa de descansar. 
- Pode pedir-lhe só para entrar um pouco?
- Claro. Mas descanse. Até amanhã. 
- Até amanhã doutor. 
Tanto o médico como as enfermeiras saíram e entrou o Ezequiel.
Eu tinha ouvido o que ele disse, sabia o que ele sentia...mas ele...ele não sabia que eu tinha ouvido, não sabia que o que ele sentia também eu sentia, que o que me fez cortar os braços foi o não saber lidar com os meus sentimentos...mas eu tinha de lhe contar.