Se dormi duas horas esta noite foi muito. Cada vez que tentava adormecer, ele vinha-me ao pensamento e dormir era tudo o que não conseguia fazer.
Só a partir das cinco da manhã e que consegui dormir. São 7:30h e o meu despertador já tinha tocado e eu não me decidia a levantar, por isso fiquei deitada até que a minha mãe veio ao meu quarto.
- Podes ficar em casa... não é só por um dia que o salão fica fechado que há prejuízo.
- Não. Eu tenho de ir. Só estou com preguiça... mais nada mãe.
- Diz que não é mais nada.
- Falamos depois - levantei-me, não queria, nem iria falar com ela neste momento sobre algo relacionado com ontem - vou despachar-me.

Fui até à cozinha e tomei o pequeno-almoço com a minha mãe.
Ela não insistiu no assunto da noite passada e eu agradeci-lhe por isso. Saí de casa quando terminei a minha refeição, fui até ao meu carro e conduzi até Oeiras, onde se situa o meu salão.
Demorei cerca de 20 minutos a lá chegar, abri a porta e fui até ao meu pequeno escritório. Deixei lá a minha mala, o casaco e fui ver quando era a minha primeira marcação de hoje. Era só às 10h. Dava-me tempo para preparar tudo.
Fui até à porta do salão e fiquei no seu exterior a fumar. A minha mãe não sabe... e eu também só fumo quando estou mais nervosa e com ansiedade. Quando estava a terminar o meu cigarro, uma rapariga sai de um carro que tinha acabado de estacionar e vem na direcção do meu salão. Conheci aquela cara no momento em que os nossos olhares se cruzaram. Era ela. A noiva do Ezequiel.
- Buenos dias - disse ela chegando ao pé de mim.
- Buenos dias - optei por ir pelo espanhol... seria mais fácil, talvez, para a caramela entender.
- Será que era possível arranjar as unhas? - questionou ela.
- Claro. Entre - dei-lhe passagem e ela entrou.
Fomos até ao posto da manicure. Ela lá fez as suas exigências, às quais atendi sem qualquer problema.
- Obrigada por me atender. Estou cá à pouco tempo e não conheço nada... ainda bem que fica aqui na zona.
- Esteja à vontade... sempre que precisar. Quando terminar deixo-lhe o meu contacto.
Continuei o meu trabalho e tudo o que não queria era conversa. Nisto toca um telemóvel... era o dela. Com a mão que ainda não estava a ser arranjada atendeu a chamada.
- Buenos dias mi rey. - foi óbvio para a minha cabeça quem estava do outro lado da linha.
A voz dela começou a irritar-me profundamente à medida que a conversa ia fluindo. Pretendia acabar com aquilo, por isso pedi-lhe a outra mão.
- Vou ter de desligar... estou na manicure. Yo tambien te quiero - ela desligou a chamada - desculpe. Era o meu noivo.
- Não tem problema.
Terminei o meu trabalho e quando ela me pagou dei-lhe o meu contacto.
(Ezequiel)
Esta noite foi o maior pesadelo da minha vida. Tinha a Tamara nos meus braços, mas era a Ana que tinha na minha cabeça. Não estava nada à espera de a ver, muito menos de falar com ela.
Quando a Tamara se levantou de manhã, fingi estar a dormir. Não tinha coragem para a enfrentar. Eram quase 10h quando ela chegou a casa vinda do salão.
- Buenos dias - ela deu-me um beijo e sentou-se a meu lado no sofá.
- Buenos dias.
- Já arranjei um salão aqui perto de casa. A moça de lá é super profissional e parece-me ser espanhola.
- Vês. Nem é assim tão vir para Lisboa.
- Tens razão. Vou até ao quarto desfazer o resto das minhas malas.
- Tá bom - ela levantou-se e subiu até ao andar de cima.
No sitio onde ela estava sentada, estava um pequeno pedaço de papel. Era do salão.
"Pequeño engate: salão de beleza de Ana Sousa Ramos."
Ana Sousa Ramos? Era ela. A minha Ana. Fui ter com a Tamara até ao andar de cima.
- Importas-te que saia por um bocadinho? Eu volto à hora de almoço.
- Tudo bem.
Voltei a descer e despachei-me o mais depressa a chegar ao local do salão.
(Ana)
A minha última marcação da manhã tinha acabado de sair.
- Pequeño engate?
Olhei para a porta e o Ezequiel estava dentro do meu salão.
- A tua noiva não ficou satisfeita com o serviço?
- Ficou satisfeitissima.
- Então posso saber o que é que estás aqui a fazer? Preciso de fechar para a hora de almoço e não me parece que sejas mulher para teres uma marcação.
Ele virou costas e fechou a porta do salão.
- Está fechado - disse aproximando-se do sitio onde eu me encontrava.
- Esqueceste-te de ficar do lado de fora.
- Não. Eu pertenço ao lado de dentro. Porque "Pequeño engate"?
- Não foi isso que eu fui? - ele olhou-me e sentou-se num banco à frente da mesa da manicure onde eu estava.
- ...culpa - disse ele super baixinho.
- Que dizes?
- Desculpa. Sei que não devia ter acabado contigo daquela maneira e que te devia ter procurado mas...
- Decidiste agarrar-te ao primeiro caramelo que viste.
- Não! Nada disso.
- Como nada disso? Fizeste-me pensar que mesmo com a distância iríamos conseguir... se eu não te colocasse naquela posição... tu irias continuar a mentir?
- Achas?!
- Não sei.
- Tu conheces-me.
- Desculpa!? Deixa-me rir! Sim... conheço-te. Sempre te tirei a pinta. Engatatão.
Ele sorriu com a palavra, mas o telemóvel dele tocou.
- É melhor atender - disse depois de ver quem era.
Não foram precisas muitas palavras para saber quem era.
- Yo tambien te quiero, mi reina - antes de desligar a chamada olhou para mim.
- Já vi que usas a mesma expressão para todas - "mi reina" era o que ele me chamou pela primeira vez quando cedemos um ao outro.
- Não tinha intenções de a usar com ela.
- Então, porque é que usas? Já sei... é mais um pequeno engate. Só que desta vez... estás noivo.
- Como é que te digo isto...
- Talvez não digas porque não o queres dizer.
- Quero! E quero muito.
- Eu sou forte... aguento. Fala. Arriscas-te é a tudo o que possa sair da tua boca te faça sair daqui.
- Eu nunca quis acabar contigo. Fui um perfeito otário, mas tu eras demais para mim. Eu não estava preparado para ter uma relação a sério. Eu pensava estar, mas não estava. Quis acreditar nisso, até que conheci a Tamara. Eu cai na tentação. Não aguentei a distância e cedi. Voltei a ser o que era e deixei-me envolver com ela... só que eu não queria.
- Desculpa... já ouviste falar em vontade própria?
- Sim. Eu tenho-a. Quero tê-la, mas neste momento, se eu acabar tudo com ela, é à minha família que eu estou a desiludir.
- Mas se estás noivo dela, sentes algo por ela... continua com ela, mas não me peças que viva bem com isso, nem que vá tomar café com os dois.
- Nunca te pediria isso.
- Então o que é que vieste cá fazer? - levantei-me e ele veio atrás de mim.
- Quero que me perdoes. Quero que sejamos amigos.
Desatei a rir, mas a vontade que tinha era de chorar.
- Como é que eu posso ser amiga do homem que eu amo e que passa as noites dele com a noiva ao lado? - abri-lhe a porta - agora sai e tenta fazer com que não nos cruzemos mais na rua. Não me procures que eu não te procuro.
- Como queiras - ele começou a sair, parando ao pé de mim - queria poder dizer que vou fazer isso, mas não. Eu não vou desistir de ti, não quero desistir. Foste, és e podes vir a ser minha. Ontem quando estavas no estádio não foi em vão. Ela não estava - ele saiu, eu voltei a fechar a porta e fui para o escritório.
Chorei novamente. Eu quero-o, mas não consigo, não posso, nem quero esquecer o que aconteceu à um ano atrás. Ele só tem de seguir a vida dele e deixar-me de uma vez por todas, nem que para isso eu tenha de sair do país.